SOCIEDADES ESCOLARES POLONO-BRASILEIRAS NA
PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 20: ESPAÇOS DE ENSINO DE HISTÓRIA, INTERCULTURALIDADE
E IDENTIDADE ÉTNICO-CULTURAL
Fabiana Regina da Silva
Fabiana Regina da Silva
O Ensino de História
tem sido importante objeto de estudo de pesquisadores no cenário educacional e
de pesquisa acadêmica nos últimos anos, estes, buscam lançar novos olhares para
tão relevante disciplina, sua didática, aportes teórico-metodológicos, direcionamentos
e usos. Tais estudos receberam significativas contribuições possibilitadas em
Jörn Rüsen e "sua reflexão sobre os fundamentos da consciência histórica,
do pensamento histórico, da cultura histórica e da ciência histórica"
(MARTINS, 2011, p. 7). São pesquisas que tratam em grande maioria do ensino de
história praticado em instituições públicas e privadas, que seguem as
diretrizes de ensino nacionais.
Em meio aos atuais debates sobre a construção de uma Base Comum Nacional Curricular, cuja proposta pretende contemplar no Ensino de História um olhar mais crítico, questões mais amplas e interligadas, entre elas, interpretar, valorizar e reconhecer as diferentes manifestações culturais e étnicas que compõe o cenário social brasileiro e sua história, e, enquanto profissionais da Educação e da História, é necessário ter clareza que as manifestações étnicas estão presentes na História da Educação e no Ensino de História, no caso dos imigrantes europeus, articuladas no grupo étnico, e, efetivando a partir deste, processos educacionais escolares através de Sociedades Escolares Étnicas - iniciativas comunitárias e/ou particulares de instituições religiosas, permeados por culturas, línguas e história distintas.
Não pretendemos trazer aqui um aprofundamento, apenas, levantar uma discussão que mencione também, como as condições históricas mudam o enfoque daquilo que se quer através da escola. Nosso desafio é pensar o ensino de história nos processos educacionais escolares étnicos, e, a relação com a identidade étnico-cultural polono-brasileira nas Sociedades Escolares Étnicas, presentes em maior número nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, durante a primeira metade do século 20, definidas, a partir de 1896 como Sociedades Escolares.
No período, além do
fortalecimento da rede escolar e dos processos educacionais com definições
próprias do grupo, tornam-se comuns, práticas de civismo, culto à bandeira,
nominar escolas e sociedades se reportando a heróis poloneses - atividades que
fortalecem definições significadas a partir de uma representação do passado
como história, a construção de uma memória histórica polônica fortalecida nas
relações de comunicação interculturais e interétnicas, dadas nos espaços
sociais e na luta por poder (JORN RUSEN, 2008, 2014), forjam definições
étnico-culturais e identitárias. São interfaces, que pensadas a partir da
"História Cultural, tal como a entendemos tem por principal objeto
identificar no mundo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade
social é construída, pensada, dada a ler" (CHARTIER, 1982, p. 16).
A rede escolar do grupo étnico polono-brasileiro, assim como a de outros grupos presentes nas regiões de colonização e/ou inserção imigrantista, se configura como iniciativa articulada a partir de definições étnico-culturais. Ao se estabelecerem, a formação de espaços sociais como igrejas e escolas, são iniciativas comuns entre imigrantes na primeira, e, na segunda fase da colonização dirigida. Para Fredrik Barth (1969, p. 190) "Grupo Étnico é aquele que compartilha os valores culturais fundamentais, constitui um campo de comunicação e de interação com os seus membros, identificando-se e sendo identificado pelos outros". A escola, em tal contexto, pode ser vista como "providência tomada em detrimento de uma realidade educacional elitista e excludente" (SILVA, 2014, p 87), mas, também como resistência em um contexto de adaptação e de diversidade étnico-cultural.
No caso das
iniciativas escolares da imigração polonesa durante o século 19, devido à
situação de dominação, estiveram fragilizadas, com pouco ou nenhum livro
didático e falta de professores capacitados. Tal situação irá mudar somente a
partir do século 20, com a reunificação da Polônia durante a Primeira Guerra
Mundial e a instituição do consulado polonês em Curitiba no Paraná, a chegada
de intelectuais poloneses e a criação da União das Sociedades Polonesas Kultura
e Oswiata, quando, os processos educacionais são revitalizados e as orientações
para o ensino são veiculadas por associações e sociedades tanto no Brasil,
quanto na Polônia, entre estes, o Departamento de Educação em Lwów, na parte
Austríaca, a Escola Popular e a Associação de Professores no Paraná.
As Associações União
das Sociedades Polonesas Kultura e Oswiata, orientavam e coordenavam a
distribuição de materiais trazidos da Polônia, a produção de livros, de manuais
escolares, e outros materiais didáticos e da imprensa pedagógica, além, da formação
de professores. Ambas as Associações possuíam orientações teórico-político,
ideológico, e religiosa distintas, e, filiavam escolas que constituíam a rede
escolar polono-brasileira no sul do Brasil. Tais orientações são desenvolvidas
na Polônia dividida a partir do século 18 entre os impérios da Prússia, Áustria
e Rússia, a primeira representava à esquerda/socialista, e a segunda clericais
e Igreja Católica Romana - posições formadas a partir da resistência étnica à
submissão imposta pela Igreja Ortodoxa Russa e o conservadorismo czarista.
Após a reunificação,
muitos intelectuais emigram para o Brasil. Também, muitos professores das
escolas étnicas polono-brasileiras que retornaram para atuar na Primeira Guerra
Mundial e no ressurgimento da Polônia, voltam para o Brasil e retomam suas
atividades. Os incentivos ao espírito nacionalista polonês são fortalecidos,
impulsionados também pela vinda de orientadores de ensino. Conforme Malikoski
(2014, p. 166), "É nesse tempo, de uma Polônia independente, que haverá um
fluxo maior de professores e educadores poloneses para o Brasil com o objetivo
de melhorar o processo de ensino étnico da imigração com acompanhamento
oficial". O fortalecimento da rede escolar, a recuperação de símbolos e o
ensino de história da Polônia nas escolas, visava, entre outros objetivos,
dimensionar aos imigrantes que emigram de uma Polônia dividida e fragilizada em
sua polonidade, a retomada do sentimento de pertença, tendo como ápice, o
fortalecimento da identidade étnico-cultural. A partir de 1920, a escola
polono-brasileira vai vivenciar a sua melhor fase, quando, "a escola
polonesa é o único fundamento de um trabalho sistemático pela manutenção do
polonismo no Brasil" (GLUCHOWSKI, 2005, p. 149).
Ao pensar o ensino de
história e sua relação com a identidade étnico-cultural, partimos de Rüsen
(2012, p. 283), que destaca: "No nível aprofundado de geração de sentidos,
a história é um meio de lidar com identidade, com unidade e diferença".
Assim, podemos compreender o fortalecimento dos processos educacionais e do
ensino de história a partir da reunificação na construção de uma memória
coletiva e na geração de sentidos. Para o sociólogo espanhol Manuel Castells
(2002, p. 23. V2) "A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida
pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas,
pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e
revelações de cunho religioso".
O processamento
mencionado por Castells, na seleção de definições identitárias, ocorre mediado
pelas concepções de mundo dos sujeitos, objetivos pessoais e do grupo, em uma
dimensão cultural que "é relacional, ela se manifesta nos símbolos, nas
representações e nas valorizações dos grupos, concorrendo nas organizações dos
grupos e da vida social". (KREUTZ, 2001, p. 122). Conforme o pesquisador da
comunidade polonesa Edmundo Gardolinski (1976, p. 131), em entrevista concedida
por um ex-professor declara que "além de lecionar matérias básicas como,
português, aritmética, História do Brasil, geografia, noções de ciência, canto,
entre outros, deveria lecionar, como é óbvio, noções da língua polonesa, sua
história e literatura e noções da língua alemã". Ainda na Polônia
dividida, muitos poloneses foram obrigados a aprender o alemão, numa tentativa
de germanização, já no Brasil, a História do Brasil e língua portuguesa também
são incorporadas aos processos educacionais, seja em detrimento da tentativa de
desviar a atenção da nacionalização que aos poucos se instaurava, e, também, em
intenção de compreender a língua, cultura e história do país que agora
pertenciam, pois, "Compreender é um pressuposto necessário do
reconhecimento" (RÜSEN, 2014, p. 306).
Para Kreutz (2001, p.
123), "a educação e a escola são um campo propício para se perceber a
afirmação dos processos identitários e os estranhamentos e as tensões
decorrentes da relação entre culturas". Dentre as práticas comuns nas
escolas polono-brasileiras também estava o hasteamento da bandeira da Polônia e
do Brasil, uma ao lado da outra. Em relação à língua no contexto da escola
étnica, tem papel fundamental em relação à cultura, história e a identidade
étnica. Através da língua, muitos aspectos são agenciados para a constituição
do pertencimento étnico-cultural.
Além do ensino de História
da Polônia, conforme Malikoski (2014, p.135), "A idealização dos
considerados "heróis poloneses", aparece contextualizada nas escolas,
desempenhando um papel da identificação étnica", ainda, "Os nomes das
sociedades e escolas polonesas no Rio Grande do Sul sempre retomavam
personagens consideradas importantes para a História da Polônia, como,
revolucionários, estadistas, escritores, cientistas e músicos poloneses"
(MALIKOSKI, 2014, p. 135-136).
Neste mesmo sentido,
Wonsowski (1976, p. 31) ao falar sobre escolas étnicas polono-brasileiras no
Rio Grande do Sul e a visita de um sacerdote polonês, destaca que este,
despertou o "sentimento de polonidade autêntica", pois, "Mandou
vir de além-mar livros escolares, devocionários, quadros murais de santos e de
ilustres personagens, por ex., a série dos reis da Polônia". Tal atitude
representa a adoção de narrativas que possibilitam a formação de uma memória e
de uma consciência histórica ligada à identidade étnico-cultural. Para Rüsen
(2011, p.9) "Essa consciência se exprime pelo discurso articulado em forma
de narrativa" e em experiências como a escolar.
As definições
étnico-culturais e identitárias processadas na escola étnica se dão mediadas
pela possibilidade de diálogo interculturas em um ensino que pratica algo mais
próximo daquilo que Jörn Rüsen trata como interculturalidade na educação e no
ensino de história, contemplando história, língua e cultura alemã, polonesa e
brasileira, denotando narrativas que não possuem caráter totalmente
etnocêntrico, mas sim, potencial de reconhecimento da diferença e sua
relevância: "As culturas se interpenetram, delimitam-se umas em relação às
outras, combatem-se, aprendem umas das outras e se modificam no relacionamento
mútuo" (JÖRN RÜSEN, 2014, p.296).
Pensar a identidade
étnico-cultural é saber de seu não aprisionamento a determinadas
características fixas e de sua definição a partir de si mesma. A identidade é
movimento, são definições e representações em processo, de caráter relacional e
intercultural - significados passíveis de construção e reelaboração "se
acha validada na interação social pela ativação de signos culturais socialmente
diferenciadores, num contexto dado de relações interétnicas" (POUTIGNAT
& STREIFF-FENART, 2011, p.141). São interações que não tratam de
determinada cultura como superior ou inferior, mas sim, como diferença.
As atividades das
Sociedades Escolares Étnicas são extintas com o decreto de nacionalização de
1938 e as ações para o enquadramento da educação em uma pretensa identidade
nacional; "As diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo
colocadas, de forma subordinada, sob aquilo que Gellner chama de "teto
político" do estado-nação que se tornou, assim, uma fonte poderosa de
significados para as identidades culturais modernas" (HALL, 2006, p.49),
estabelecendo a presença das escolas públicas nas distintas regiões do país,
voltadas para as orientações de ensino definidas em nível nacional. A versão da
história nacional é apresentada nos livros didáticos, fiscalizados pela
Comissão Nacional do Livro Didático - CNLD, também criada em 1938. A partir
daí, orientando professores a "intensificar o ensino de história e geografia
do Brasil" (KREUTZ, 2010, p. 78).
Nesse contexto,
"A História dá forma à identidade ao criar as chamadas
narrativas-mestras", estas, "dizem às pessoas quem elas são:
indivíduos ou grupos, nações ou mesmo culturas inteiras" (JÖRN RÜSEN,
2012, p. 283. O ensino de história passa a ser importante na materialização dos
objetivos traçados pelo estado brasileiro a partir de uma identidade nacional.
Já nos processos educacionais escolares étnicos entre polono-brasileiros emerge
o diálogo intercultural, relações interétnicas, confronto de aspectos
culturais, que embasam processos identitários dados no reconhecimento da
diferença e na produção de uma memória coletiva.
Nesse sentido,
compreendemos a discussão como necessária, no intuito de propiciar reflexões
relacionadas ao ensino de história efetivado em contextos escolares tão
diversos culturalmente como os das escolas brasileiras, com distintas
contribuições, e, inscritas em uma representação do passado como história. Caso
contrário, "Por mais que lutemos arduamente para evitar os preconceitos
associados a cor, credo, classe ou sexo, não podemos evitar olhar o passado de
um ponto de vista particular" (BURKE, 1997, p. 15). São dimensões, que, se
consideradas, possivelmente resultem em mudanças, e, na qualificação das
relações sociais.
Referências
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Cara Fabiana;
ResponderExcluirComo vc entende o papel do ensino de história e a construção da identidade cultural no Brasil atual? Em algumas comunidades de origem polonesa, privilegia-se a representação de um identidade europeia, criando-se uma relativa dicotomia.Pode- se entende rum processo de hibridização, ou a negação do mesmo?
obrigado,
André Bueno =)
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ResponderExcluirCaro colega!
ExcluirA partir do Decreto de Nacionalização de 1938 o ensino de história nas escolas do país vem sendo concebido a partir de orientações de ensino definidas em nível nacional (nacionalização do ensino), onde, de maneira geral, não se considera de forma adequada nos materiais disponíveis e na própria formação docente, a condição de um país diverso culturalmente e com regiões e realidades distintas. A versão da história nacional é apresentada nos livros didáticos, fiscalizados pela Comissão Nacional do Livro Didático - CNLD, também criada em 1938. Assim, perde-se um pouco da possibilidade de que no ambiente escolar possa haver diálogo de diferentes línguas e culturas que seriam parte de uma identidade brasileira diversa, enriquecida e potencializada. Propósito que tem fomentado uma importante discussão emergida a partir da proposta da Base Nacional Curricular. Nas escolas polono-brasileiras, há uma disponibilidade de agregar culturalmente, de aprender História e língua do Brasil e da Alemanha, de reformular-se, e, uma vez que, concebemos identidade étnico-cultural em processo, em movimento e reordenamento e não como algo estático, percebe-se um processo de hibridação.
Fabiana Regina da Silva