Gabriel Souza

REPENSANDO A AULA DE HISTÓRIA: PROFESSORES E ALUNOS COMO AGENTES ATIVOS DA "HISTÓRIA"

Gabriel José Brandão de Souza



Introdução

A sociedade vem passando por inúmeras transformações. No intuito de acompanhá-las, as atividades educativas e a formação de professores passam por novas concepções do fazer e construir um desenvolvimento da reflexão crítica e de novas possibilidades e não apenas transmissora de conteúdos. Diante da realidade educacional no país é necessária uma formação que entenda a importância do papel do estudante também como responsável por sua própria aprendizagem.

O ponto de partida para a compreensão da História pode ser evidenciado na tentativa de despertar no aluno uma possibilidade de perceber-se como agente histórico, como ser atuante dentro do processo histórico, sendo a infância e adolescência os momentos mais oportunos para tal despertar. Somente a partir disso o professor pode desempenhar o seu papel social: formar cidadãos aptos a compreender a sociedade na qual estão inseridos. Segundo os Parâmetros Curriculares da Educação, a História enquanto disciplina escolar possibilita ampliar estudos sobre as problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades, servindo como arcabouço para reflexão sobre possibilidades de mudanças e necessidades das continuidades. Permite sedimentar e aprofundar temas, redimensionando aspectos da vida em sociedade e sobre o papel do indivíduo nas transformações do processo histórico, possibilitando a compreensão das relações entre a liberdade (ação do indivíduo-sujeito da história) e a necessidade (ações determinadas pela sociedade-produto de determinada história). (PCNs 2000;15-16)

Neste sentido, temos como pretensão neste trabalho, perceber dentro do processo do estágio de regência, discussões juntamente com análises bibliográficas, acerca do processo de formação das aulas de história, buscando compreender a importância dos diálogos entre os conhecimentos escolares e acadêmicos necessários para compreender as sociedades nas suas variadas dimensões.

Conhecimento histórico e processo de aprendizagem

A construção do conhecimento histórico, a partir dos teóricos da escola dos Annales, vem passando por várias transformações, em que os historiadores vêm sugerindo novas abordagens, baseadas em diversas temáticas ligadas a história social, cultural e do cotidiano, de modo que estão possibilitando uma visão mais abrangente do contexto histórico. Entretanto, paralelamente a estas mudanças, o ensino de história não vem acompanhando os avanços historiográficos desenvolvidos em torno dos métodos e objetos de análise da história. Nesta perspectiva, o desafio que se coloca é de garantir que esta disciplina no ensino básico consiga fornecer aos educandos os elementos necessários para formação de uma visão crítica e transformadora perante esta sociedade tão desigual.
Neste sentido, o estágio de regência pode ser compreendido como um processo de experiências e, sobretudo de aprendizado, pois permite por em prática todos os conhecimentos adquiridos ao longo da graduação. Ao adentrarmos em uma sala de aula, o que devemos ter em mente é a ideia de multiplicidade, porque diferentes tipos humanos fazem parte de seu contexto; podemos encontrar divergências raciais, econômicas, culturais e vários aspectos direcionados ao caráter e a personalidade do ser humano.

Percebemos então que ensinar história não é, de maneira alguma, a mera transmissão de fatos e acontecimentos do passado de maneira descritiva, com métodos tradicionais e desinteressantes. Podemos compreender então o estágio como um momento necessário para que o ensino de história seja revalorizado e que o professor de história se conscientize de sua responsabilidade social.

Segundo Janice Theodoro, o mundo contemporâneo passa por transformações constantes, tornando difícil a sobrevivência das pessoas que resistem à forma diferente de vida. Nesse contexto, cabe ao educador auxiliar os jovens a compreender melhor esse mundo repleto de variáveis. Para a autora em tela, torna-se difícil preparar o homem para esse desafio contemporâneo, um desafio onde nada, nunca, está no mesmo lugar, onde as relações de causa e efeito não fazem sentido porque a mudança cria uma infinidade de variáveis que nos obriga a trabalhar com as ideias de sistema ou de rede. Depois de tanta mudança, o homem pode também se perguntar se essa modernidade de certa forma criou condições para que ele aprofundasse a consciência de si mesmo e do outro. Para isso, o mesmo precisaria criticar as premissas, precisaria aprender a ver (THEODORO, 2005:50).

O grande desafio que se apresenta aos educadores é adequar o olhar as exigências do mundo, sem deixar de ser sugados pela onda neoliberal. É preciso mostrar a possibilidade de desenvolvimento da prática de ensino de história adequado ao novo tempo e ao novo aluno, um ensino rico em conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia (PINSKY, 2009:19).

De fato, podemos perceber que ao longo dos últimos anos, a educação brasileira passa por um processo de mudanças quanto às percepções sobre o aprender e ensinar história.  Neste sentido, torna-se necessário pensar as aulas em um sentido mais atrativo, possibilitando utilizar recursos que auxiliem a transformar as aulas num perfil mais lúdico e diferenciado, devendo existir um diálogo com o alunado no sentido de evidenciar que novas interpretações podem ser feitas a cerca daquilo que se estuda dependendo do enfoque que se tem.

Embora o sistema do qual, fazemos parte, não proporcione mecanismo para a formação digna do cidadão através da educação, o professor não deve usar isso como desculpa para seu despreparo. O processo de aprendizagem pode ser beneficiado quando professor e aluno buscam o conhecimento conjunto de suas necessidades, tendo consciência de sua forma de relacionar-se, respeitando as diferenças. Lopes (2008) cita Bruner (1986) e Vygotsky (1978) afirmando que a educação é um processo essencialmente cultural e social, nos quais alunos e professores participam interagindo na construção de um conhecimento conjunto.

A visão de Vygotsky e Bruner comunga com a visão de Freire, a qual da ênfase na interação professor e aluno, na construção de um conhecimento comum. A teoria de Freire (1968) chama de educação libertadora, pois o saber parte de uma experiência feita e não narrada ou transmitida. Dessa forma, o educador não é apenas o que educa, mas o que enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado também educa, ou seja, a educação é vista como um desenvolvimento de conhecimento conjunto. "Um dos procedimentos básicos de qualquer processo de aprendizagem é o relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo que já sabe." (PCN, 1998; 32). Cada estudante precisa se perceber como um sujeito histórico, estando preparado para ocupar um espaço na sociedade globalizada sob o risco de ser sufocado por ela. Para tanto, eles precisam de cultura que vá além da técnica, ou seja, precisam perceber que a História esta em seu cotidiano. Neste sentido, o ensino da Historia deve aproximar o aluno da história, possibilitando que se interesse em interagir com ela.

Falando em conhecimento, é importante designarmos o ato de conhecer como uma relação que se estabelece entre a consciência do aluno em saber o que é relevante para a formulação do conhecimento e a predestinação do professor em mediar esse conhecimento. Nesse contexto, a escola também assume um papel importante no processo educacional, uma vez que é nela, ambiente onde circulam questões relativas às formas de construção do saber, reafirmando a ideia defendida por Maria Lucia de Arruda Aranha (1997, p. 132) que, "a escola é por excelência um local que, por bem ou mal, circula o conhecimento".

Ao pensarmos a ideia de aula expositiva, apesar de muitas vezes bastante criticada no meio acadêmico, tornou-se perceptível a sua importância, desde que seja dialogada, questionada, debatida e acompanhada da utilização de outras fontes e recursos. Neste sentido, é necessário buscar compreender nas aulas que o aluno deve ser o principal participante no desenvolvimento da aula de história, expondo seus conhecimentos prévios acerca dos assuntos trabalhados, opinando e questionando os mesmos, procurando ser o mediador na construção do saber histórico, tendo em vista a formação de cidadãos autônomos.

Os métodos e técnicas de ensino servem para "conduzir o estudante a integrar no seu comportamento, conhecimentos, técnicas, habilidades, hábitos e atitudes que hão de enriquecer a sua personalidade" (Gil, 1997; 109). Compreendemos na utilização de músicas e filmes uma importante ferramenta metodológica, pois as mesmas permitem de maneira dinâmica e flexível transformarem-se em documentos históricos ao qual sugerem novas discussões teóricas e metodológicas para o ensino de história.

Em relação aos conteúdos ensinados, Luckesi (1994) defende que não se deve atribuir relevante importância na quantidade de conteúdos a serem trabalhados, mas sim na maneira como estes são ministrados, levando em consideração as experiências vividas, onde o diálogo deva prevalecer sempre entre os sujeitos envolvidos, professor-aluno, aluno-professor. Neste sentido, entendemos a importância do ato de planejar, sendo o mesmo uma importante ferramenta para poder organizar e adequar a grande quantidade de conteúdo e as metodologias ao curto período de tempo.

A avaliação reflexiva torna-se outro importante componente intrínseco aos processos intencionais de mudança, como são os processos de ensino e de aprendizagem. Segundo a concepção de Luckesi (1995), a avaliação da aprendizagem é um juízo de qualidade sobre dados relevantes para uma tomada de decisão, enquanto Hoffmann (1996) diz que o julgamento de valores de resultados alcançados marca a relação entre professores e alunos. Contudo, atualmente a avaliação na maioria das escolas, tem o professor como centro, e, muitas vezes é caracterizada pelo autoritarismo e arbitrariedade, onde avaliar é somente classificar, aprovar ou reprovar.

Tais equívocos e contradições, que presentes nas práticas da avaliação, têm como responsável a dicotomia entre educação e avaliação que, segundo Hoffmann (1996) faz parte da percepção da ação de educar e avaliar como momentos distintos e não relacionados por parte dos professores. Deste modo, o professor não da à importância necessária a avaliação, e mesmo procurando inovar, o professor "dá" matéria, aplica prova escrita, atribui nota e encerra o ato de avaliar.

Nessa perspectiva, Moran (1991) compreende que "educar é procurar chegar ao aluno por caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações), pela multimídia. Partindo de onde o aluno está, e ajudando a ir do concreto para o abstrato, do imediato para o contexto, do vivencial para o intelectual, integrando o sensorial, o emocional e o racional".

Desta forma, podemos concluir que com base no procedimento metodológico acima traçado aliada a experiência do cotidiano da regência, é que os conteúdos trabalhados devem está intrínseca a realidade dos alunos, percebendo que o tema e a metodologia se imbricam no sentido de fornecer a esses alunos os requisitos necessários para que os mesmos se posicionem a partir de uma visão crítica.

Referências

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo. Editora Moderna, 1997.
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 1998
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Brasília: 2000. 
Acesso em 17/12/2012
FONSECA, Selva Guimarães. Ser professor no Brasil: historia oral de vida. Campinas, SP: Papiros, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra: 1968b.
_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. Editora P.Z Terra. São Paulo, 1997.
_____. Pedagogia do oprimido. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1986.
GIL, A. C. Metodologia do Ensino Superior. 3 ed, São Paulo: Atlas, 1997.
HOFFMANN, Jussara. Avaliação: Mito e Desafio - Uma Perspectiva Construtivista. 18ª Ed. P. Alegre: Mediação, 1996.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez. 1994 (Coleção magistério 2º. Grau. Série formação do professor).
_____. Avaliação da Aprendizagem Escolar. São Paulo: Cortez, 1995.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários a educação do futuro. Editora Cortez, 2011.
MORAN, José Manuel. Como ver televisão: Leitura crítica dos meios de comunicação. São Paulo: Edições Paulinas, 1991;
PINSKY, Carla Bessanezi (org.) Novos Temas nas aulas de História. São Paulo: Contexto, 2009.
PINSKY, Jaime. História e a criação do fato. São Paulo, Contexto, 2009.

THEODORO, Janice. Educação para um mundo em transformação. In: KARNAL, Leandro (Orgs.) História na sala de aula. Conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2005.

13 comentários:

  1. Olá Gabriel Souza, a História lida com a ação do homem no tempo. Concordo quando você escreve que devemos aproximar os alunos à disciplina História e que essa aproximação tem que partir do contexto em que os alunos estão inseridos, é daí que deve partir o diálogo. Sendo assim lhe pergunto qual a sua observação em relação aos livros didáticos ou os módulos, eles permitem essa contextualização ? Obrigado.
    Fabiano Moreira da Silva

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    1. Olá Fabiano, primeiramente obrigado pela leitura e interesse no artigo. Realmente acredito ser importante manter o dialogo partindo do contexto em que o aluno, assim como o professor, vivenciam. Tenho percebido uma evolução nos livros didáticos, mesmo que tímida, todavia, cabe ao docente não ficar preso apenas nos livros ou módulos. Atualmente vivenciamos uma evolução tecnológica onde proporciona uma interatividade muito grande, então por que não utilizarmos dessas ferramentas? Nós professores precisamos sair da zona de conforto, buscar coisas novas, ter novas experiências. Talvez critiquemos demais os livros didáticos, porém o que fazemos para modificar essa realidade? Eis a maior questão.

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  2. Olá Gabriel Souza. Considero bastante pertinente suas reflexões sobre o ensino de história. Certamente que inserir o processo dialógico como método nas aulas expositivas, utilização das TICs, a Avaliação enquanto norteadora do processo de ensino e aprendizagem, são caminhos que oferecem uma sobrevida ao saber histórico na sala de aula.
    Todavia, o uso do livro didático enquanto documento histórico é um importante instrumento para colocar o aluno diante de uma história em construção e não como algo determinista.
    Como observou durante sua regência o uso do livro didático nas aulas de história?
    André Luís Teixeira da Silva
    Franca-SP

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    1. Olá André, muito pertinente sua pergunta. Não podemos negar a importância do livro didático, entretanto, por que se prender apenas a ele? Nas minhas aulas procuro manter o diálogo entre o livro didático, o cotidiano dos alunos e a comunidade. Acredito que é muito importante proporcionar aos alunos uma aula lúdica, interativa e diferente da ideia da história como uma disciplina que é para ser decorada. Infelizmente a realidade é que nem todos as temáticas abordadas possibilitam essa interação.

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  3. Boa noite!

    Você fala da importância do aluno no processo de aprendizagem histórica. Como observou isso no seu estágio?

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    1. Ass: Débora Araújo Fernandes

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    2. Olá Débora, gostei muito da pergunta.
      Eu busco sempre essa interação dos alunos. O estágio é um processo importantíssimo na graduação, inclusive tenho inúmeras críticas a forma em que ela vem sendo pensada na academia. É perceptível a interação dos alunos quando a temática se aproxima do seu cotidiano, quando eles se reconhecem no processo histórico.

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  4. Bom dia a todos! Em sala de aula temos diversas vertentes ideológicas e sociais, sobretudo no ensino público! Nesse sentido, o ensino de história passa por um grande desafio a cada dia, na medida em que, nós como professores, temos que sempre desenvolvermos novas metodologias para nos adequarmos a diversas situações do cotidiano escolar. Sabendo disso, pergunto-lhe, existe uma maneira de combatermos o sistema adestrador do governo, no que diz respeito à maneira como somos vigiados e até mesmo punidos quando nos posicionamos de uma maneira mais contundente em sala de aula, tendo em vista que a cada eles criam mais ferramentas e leis para tentar nos engessar?

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    1. Olá Eduardo, muito pertinente sua pergunta. Talvez a verdade é que não tenha uma resposta exata para te dar. Todavia, ao meu ver nós professores somos agentes importantes nessa luta, nós como professores de história temos a possibilidade de romper com esse sistema nas nossas aulas, discutindo, problematizando e uma reflexão para o nosso alunado no cotidiano das nossas aulas.

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    2. Boa tarde Gabriel, acredito que uma das possíveis saídas seria a união da classe!

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    3. Sim, concordo. A classe docente necessita de uma união maior, assim como é evidente o desinteresse do estado com a educação. Isso é fato.
      Indivíduos pensantes problematizam, questionam, lutam pelos seus direitos e isso não é e não será interessante aos olhos daqueles que tentam explorar e subjugar.

      Att.

      Gabriel José Brandão de Souza

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  5. Olá Gabriel Souza,você fala do aluno enquanto construtor do seu próprio conhecimento, concordo que isso é primordial na formação de pessoas pensantes e participativas. No entanto, no decorrer do tempo tem sido perceptível que nossos alunos tem acesso a muita informação, mas possui dificuldades em transformá-las em conhecimento. Isso dificulta a participação deles nesse processo. Como superar essa dificuldade para que possam participar de forma mais ativa do processo de ensino-aprendizagem.
    Ass:Vanderléia de Almeida.

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    1. Olá Vanderléia. Obrigado pela leitura do artigo.
      Bom, vou te responder com outra pergunta.
      Que tal nós professores sairmos da "zona de conforto" que é o livro didático?

      Att.

      Gabriel José Brandão de Souza

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