Fabiano Moreira

PROFESSORES PRIMÁRIOS DE SALVADOR: ENTRE AS BRECHAS DA CRISE E DA INSTABILIDADE POLÍTICA (1912-1918)

Fabiano Moreira da Silva



A Primeira República tem como característica a instabilidade política envolvendo a disputa pelo poder entre as oligarquias políticas e a tensão nos meios populares devido à situação socioeconômica. A situação do ensino primário da cidade de Salvador e o movimento reivindicatório dos seus professores ocorrido em 1918 nos oferecem elementos para verificar o quanto as questões políticas e sociais estavam relacionadas. A organização do ensino estava entre os temas de interesse republicano. Na Bahia destaca-se a constituição estadual de 1891 que tratava da municipalização do ensino primário e sua organização (Menezes, 201l, p.22-23). No caso da cidade de Salvador a municipalização do ensino primário não atendeu aos anseios republicanos e se tornou fator gerador da crise devido às dificuldades financeiras para o município custear os prédios escolares, recursos didáticos, mobiliário e manter a pontualidade no pagamento dos professores (Luz, 2008, p.242-243).

As condições físicas das escolas era tema recorrente nos jornais assim como a situação dos professores devido aos salários atrasados. A abordagem sobre educação primária na capital tinha relação com a conjuntura política. O período após o ano de 1912 é um marco importante para relacionar a conjuntura política e o movimento dos professores da capital baiana. O ano de 1912 marca a eleição do governador J.J. Seabra e o domínio seabrista que durou até 1922 (Sampaio, 1998, p.25). Mesmo no comando do governo estadual os seabristas enfrentaram a oposição de outros grupos que tinham como chefes políticos Rui Barbosa e ex-governadores como Severino Vieira e José Marcelino.

Um dos meios utilizados tanto pelos governistas como os opositores para as divergências de opiniões e críticas era a imprensa. Muitos dos jornais que circulavam na capital estavam ligados a grupos políticos (Sarmento,2011, p.21). Os periódicos ligados a oposição como Diário da Bahia, Diário de Notícias, A Tarde, exploravam as dificuldades do governo para tecer críticas. Havia também os jornais que apoiavam o governo como a Gazeta do Povo e o Democrata. A situação educacional seria um dos temas presente nas páginas desses periódicos principalmente o atraso no pagamento dos professores.

O atraso no pagamento dos professores não era algo novo. Entre os anos de 1901 a 1908 o município já enfrentava dificuldades para o pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p-36). Os professores representavam, aproximadamente, a metade dos funcionários municipais (Santos, 2001, p.34). O censo de 1920 aponta que as mulheres representavam em torno de 81% dos professores do ensino primário (Costa e Conceição, 2001, p-121). Muitas professoras estiveram à frente do movimento que reivindicavam melhorias nas condições de trabalho e regularização dos pagamentos atrasados.

Os professores e professoras utilizavam-se da habilidade para o discurso e escrita nos momentos em que dividiam espaços com as autoridades políticas ou quando escreviam para os jornais. Em 16 de dezembro de 1912 o jornal A Tarde trazia trechos do discurso do professor Vicente Ferreira Café durante inauguração da exposição dos trabalhos escolares onde estavam presentes o intendente do município, professores e o povo que prestigiava o evento. Nesse discurso o professor tratou das queixas, o abatimento moral e intelectual da classe dos professores e animava os colegas lembrando-os que estes contribuíam para o caminho da civilização e do progresso apesar "do pequeno e minguado vencimento que mal chega ao professor".

Outros momentos de contato entre professores e autoridades ocorreram durante as conferências pedagógicas ocorridas em Salvador nos anos de 1913, 1914, 1915. Esse era um evento de atualização docente, sociabilidade, reflexão sobre as práticas e as condições  de trabalho do professorado , constituindo-se em espaço de troca de experiência em que os docentes divulgavam teses sobre as práticas pedagógicas e discutiam a sua situação profissional (Brandão, 2012, p.12).

O município enfrentava dificuldades para manter o funcionamento de serviços como iluminação pública, água e esgoto e limpeza urbana além do pagamento do funcionalismo municipal (Santos, 2001, p-36). As dificuldades financeiras se refletiam na dificuldade de concluir as obras de modernização da cidade assumidas em 1912 e o pagamento dos prestadores de serviços. Essa situação era impactada pelas dificuldades oriundas da Primeira Guerra que trazia consequências negativas para a economia baiana e dificultava o acesso ao financiamento estrangeiro para conclusão das obras e equilíbrio orçamentário (Leite, 1996, p.60). Esse também foi um período de intensificação dos protestos populares devido a carestia, o desabastecimento de alimentos e de greves motivadas por questões salariais (Santos, 2001, p.110-116)

A intendência municipal tentava explicar, por meio do periódico governista essa situação era consequência da queda da arrecadação e desacertos do passado. Também   demonstrava preocupação com a movimentação do professorado que queixava-se do atraso nos pagamentos tentando sensibilizar a classe para não se "afastarem da legalidade" além de acusar a oposição de estimular a anarquia, ódios e rixas (O Democrata, 1918).

Em 1918 a situação do professorado municipal estampou as primeiras páginas dos jornais. O reclamação dos professores se juntava a outras descontentes com o governador Antonio Muniz Aragão sucessor de Seabra e seu aliado político. Os grupos de oposição criticavam o governo expondo as dificuldades do ensino primário. Mesmo o ensino primário sendo de responsabilidade do município as criticas eram direcionada ao chefe político uma vez que a intendência da capital era conduzida por integrantes do grupo seabrista.

Em 15 de janeiro o jornal A Tarde trazia na capa a matéria intitulada "A greve da fome em eminência" informando da decisão dos professores em não abrir as escolas no inicio do ano letivo e anunciando que um manifesto seria publicado. De fato em 31 de janeiro um grupo de professores e professoras publicava no Diário da Bahia um manifesto informando que não reabririam as escolas citando "a deprimente e embaraçosa situação do professorado" provocado pela fome, a falta de crédito e o não pagamento dos salários. Iniciava-se a greve dos professores do ensino primário da capital.

Diante do impasse outro manifesto foi publicado em 9 de março pelo Diário da Bahia onde os professores relatavam a sua situação, exigiam o cumprimento da legislação e apelavam para a caridade pública. O periódico publicava também os telegramas enviados a Rui Barbosa e Miguel Calmon em informavam a decisão de solicitar contribuição pública, pediam o apoio dos políticos, mobilização da comunidade baiana que residia na capital federal e espaço na impressa nacional.

O professorado manteve-se firme no seu movimento de paralisação e o jornal Diário da Bahia publicava em 18 de março as reivindicações dos professores. A professora Emilia de Oliveira Lobo Vianna propôs que o fim da greve estaria condicionado a revogação da suspensão do professor Isauro Coelho (suspenso por protesto contra o governo), o pagamento dos salários atrasados, continuidade do pagamento mensal e respeito aos professores. O professor Vicente Ferreira Café apresentava uma moção de confiança à intendência municipal e o professor Alberto de Assis convocava os professores para discutir o estatuto do Centro de Defesa do Professorado Baiano. A professora Anna Moreira Bahiense publicava uma carta de apoio ao movimento e se dispunha a arcar com as consequências da não abertura das escolas.

A situação do professorado repercutia fora do estado. No Rio de Janeiro o jornal Lanterna em maio de 1918 tratava do assunto da greve dos professores e de outros problemas que assolavam a Bahia criticando o governador Antonio Muniz chamando-o de "maluco". Em junho o mesmo periódico trataria da continuidade da greve. Em julho o jornal o Estado de São Paulo publicava uma nota referente à arrecadação realizada pelo Comitê Paulista de Socorro ao Professorado Bahiano. Na capital baiana houve mobilização de populares em favor dos professores através de cartas enviadas aos jornais como a publicada no Imparcial em junho onde um leitor pedia uma "subscrição" em benefícios dos professores e o mesmo disponibilizara 20$000 como oferta inicial.

A mobilização do professorado da capital também agitava o meio político. Em discurso publicado pelo Democrata, o Senador Estadual Campos França tratou do assunto afirmando a falta de recursos do município para manter o ensino e acusava os opositores de provocar agitação nos professores. A oposição aproveitava da instabilidade de relacionamento entre o governo baiano e o governo federal para o envio de uma carta, com a intermediação de Ernesto Simões Filho, proprietário do jornal A Tarde e opositor de Seabra , ao presidente Wenceslau Braz  denunciando que após a municipalização do ensino primário as leis que garantiam os recursos para o pagamento dos professores não estavam sendo respeitadas e apelavam para ação do presidente por meio da intervenção (A Tarde, junho 1918).

Diante da pressão a intendência propôs o pagamento escalonado dos atrasados além de revogar a punição ao professor Isauro Coelho. Em início de setembro era publicado no jornal A Tarde  o fim da greve dos professores. O fim do movimento, no entanto não significou a regularidade da situação já que em início de 1919 o Imparcial publicava nota sobre a demora no pagamento dos salários atrasados e que o governo municipal só poderia quitar três meses do débito de dois anos.

A situação dos professores da cidade de Salvador durante a Primeira República serve de reflexão sobre período tanto em relação ao meio político como entre a população e de como a instabilidade política aliada a uma conjuntura socioeconômica desfavorável provocou tensões. Essa tensão também estaria presente nas diversas categorias profissionais que já adotavam a greve como uma maneira de ver atendidas suas reivindicações. Por outro lado os grupos da elite oligárquica se confrontavam pelo poder dando brechas para que os trabalhadores apresentassem o seu descontentamento com a condução política. Esses conflitos se estenderiam provocando dificuldades para administração política contribuindo assim para as mudanças que ocorreriam a partir de década de 30.

Lista de fontes

A Tarde, 16 de dezembro de 1912, f.4; 15 de janeiro de 1918,  22 de junho de 1918, f.1; 9 de setembro de 1918
Diário da Bahia, 31 de janeiro de 1918 ; 9 de março de 1918, f.1; 18 de março de 1918
Lanterna, 31 de maio de 1918, f.1
O Democrata, 16 de maio de 1918; O Democrata, 18 de abril de 1918, f.1
O Estado de São Paulo de 21 de julho de 1918
O Imparcial, 20 de junho de 1918; 06 de fevereiro de 1919

Referências

BRANDÃO, Verônica de Jesus. Práticas curriculares nas escolas públicas primárias: estudo das teses apresentadas nas Conferências Pedagógicas em Salvador (1913-1915). Salvador: UNEB, 2012. (Dissertação de Mestrado)
COSTA, Ana Alice A. Conceição, Hélida. Revolta dos resignados: a participação feminina na greve dos professores (1918/1919). In. Fazendo Gênero na Historiografia Baiana. Salvador: NEIM/UFBA, 2001.
LEITE, Rinaldo Cesar Nascimento. E a Bahia civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anticivilidade em um contexto de modernização urbana. Salvador 1912/1916. Salvador: UFBA. 1996. (Dissertação de Mestrado)
LUZ, José Augusto. Educação, Progresso e Infância na Salvador Republicana: Percursos Históricos. In: LUZ, José Augusto e SILVA José Carlos (orgs). História da Educação na Bahia. Salvador: Arcádia, 2008
MENEZES, Jaci Maria Ferraz. A República e a Construção Do Direito À Educação Na Bahia. In: SANTANA, Elizabete Conceição. (Org.). A construção da escola primária na Bahia: guia de referências temáticas de reforma e regulamento. 1ed.Salvador: EDUFBA, 2011, v. 1, p. 7-20.
SAMPAIO, Consuelo Novais. Os Partidos Políticos da Bahia na Primeira República. Salvador: Edufba, 1998.
SANTOS, Mário Augusto da Silva. A República do povo: sobrevivência e tensão-Salvador (1890-1930). Salvador: EDUFBA, 2001.

SARMENTO, Silvia Noronha. A raposa e a águia: J.J. Seabra e Rui Barbosa na política baiana da Primeira República. Salvador, EDUFBA, 2011.

2 comentários:

  1. vc acha então que a luta dos professores no brasil já é antiga? que a desvalorizasão do professor atual é mais antiga?
    kelly cristina

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    1. Olá Kelly, sim, é uma luta antiga sim. No início da república havia um discurso de valorização da instrução como meio de preparar o cidadão republicano, patriota e dócil para um mercado de trabalho do pós-abolição, era preciso abandonar os costumes do período monárquico e ir em busca da civilização e modrnidade. A república instituía o voto e esse era um direito dos alfabetizados, no entanto, conforme tentei demonstrar a realidade era bastante contrária ao desejo de quem estava no poder. A minha pesquisa aponta para um desvalorização dos professores seja com más condições de trabalho, baixos salários e atrasos que comprometiam as condições de vida desses profissionais. A greve dos professores em Salvador no ano 1918, a de maior duração que eu tenha conhecimento (9 meses), demonstrou que apesar das condições adversas esse foi o primeiro grupo do funcionalismo público a ter uma ação reivindicatória por meio da paralisação das atividades e mobilização da sociedade. Obrigado pela pergunta.

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