Luana Neres


Luana Neres de Sousa



Introdução

No segundo semestre letivo do ano de 2014, fui convidada pela coordenação do curso de Licenciatura em História do Instituto Federal de Goiás, campus Goiânia, para ministrar a disciplina de Prática Curricular, cujo recorte temático teve como foco os estudos sobre a Antiguidade. Na ocasião eu cumpria contrato como professora substituta, atuando tanto na Licenciatura quanto no ensino básico tecnológico. O objetivo geral da mesma foi analisar o modo como os conteúdos de História Antiga são apresentados em manuais didáticos do Ensino Fundamental e Médio no Brasil para posteriormente, os alunos produzissem novos materiais didáticos, mais atualizados. Como objetivos específicos, a disciplina se propôs a identificar problemas no ensino do conteúdo de História Antiga no Ensino Fundamental e Médio no Brasil e levar o aluno a se familiarizar com a transposição do conteúdo teórico e do saber acumulado em seu processo de formação para a prática de ensino, além de avaliar materiais didáticos que abordam conteúdos na área de História Antiga e problematizar o modelo dominante de ensino da História Antiga no Brasil, que reproduz o eurocentrismo e o enciclopedismo.

Etapas desenvolvidas

A disciplina foi metodologicamente pensada para ser trabalhada em três fases: na primeira, foram ministradas aulas expositivas e dialogadas nas quais analisamos a legislação referente à Prática Curricular nos Cursos de Formação de Professores da Educação Básica, o parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001, que versa acerca da Prática enquanto componente curricular e o que dela se espera nos cursos de formação de professores.

Na segunda etapa, os alunos foram divididos em grupos a fim de que apresentassem em forma de seminário trabalhos de importantes professores e pesquisadores brasileiros que versam sobre o ensino de História Antiga e a maneira como este conteúdo é trabalhado nos livros didáticos. Destacamos os trabalhos de Ana Teresa Marques Gonçalves, Fábio Faversani, Pedro Paulo Funari, Gilvan Ventura da Silva, Maria Auxiliadora Schmidt e Andreia Dorini Rossi.

A última etapa foi planejada para que os alunos analisassem livros didáticos de História utilizados na atualidade, identificassem os principais problemas referentes aos conteúdos de História Antiga presentes nessas coleções e produzissem novos materiais didáticos que suprimissem as lacunas presentes nos livros analisados. Todavia, em decorrência de inúmeras carências na formação desses alunos que foram sendo identificadas ao longo dos encontros, os mesmos não conseguiram produzir novos materiais. A avaliação precisou ser repensada e a nova proposta era que os alunos analisassem os livros didáticos, apresentassem os problemas identificados nas coleções e elaborassem um plano de aula em que seria utilizado o livro analisado (que é o que eles têm disponíveis nas escolas onde realizam o estágio ou até mesmo onde alguns já lecionam) procurando sanar as brechas identificadas.

Apresentação dos resultados

O exercício de projetar uma disciplina que abordaria o ensino de História Antiga em turmas do ensino básico foi bastante rico e produtivo, sobretudo no que diz respeito à troca de experiência entre mim e os graduandos, e entre eles mesmos. Para minha surpresa, à medida em que as apresentações aconteciam, diversas aspectos referentes à deficiência do ensino de História Antiga surgiram, inclusive, nos cursos de nível superior de História.

Ao trabalharmos conteúdos que dizem respeito à Antiguidade Oriental, diversos graduandos demonstraram desconhecer sequer a localização geográfica das sociedades estudadas. Um aluno do 7º e último período da Licenciatura em História do IFG, que chamarei de A, afirmou que apenas naquele momento descobriu que a Mesopotâmia se localizava na região onde atualmente denominamos de Oriente Médio. O aluno A disse sempre ter imaginado que a Mesopotâmia fosse uma região da África, assim como o Egito. Complementando a fala do aluno A, uma aluna B, expôs que tanto na educação básica quanto na graduação, um mapa nunca foi utilizado na sala para que os alunos localizassem as sociedades do Antigo Oriente Próximo, salvo os mapas que apareciam nos livros didáticos que muitas vezes sequer eram utilizados pelos professores.

Em relação ao conteúdo de Antiguidade Clássica, muitos estereótipos foram expostos pelos alunos durantes os debates. Posso citar como exemplo ideias de que os gregos eram homossexuais, ou que em toda a Grécia em todos os tempos se valorizava a Filosofia, que as mulheres gregas e romanas eram desprovidas de direitos (não apenas os direitos políticos, mas que as mulheres não possuíam quaisquer direitos nessas sociedades), que os deuses gregos e romanos eram os mesmos, apenas mudando de nome, dentre outras. Foi preciso trabalhar nas aulas de Prática Curricular conteúdos básicos que deveriam ter sido discutidos nas aulas da disciplina História Antiga e ensinar os graduandos a trabalharem com documentos produzidos na Antiguidade (fontes escritas e materiais).

Diante de tantos problemas é necessário questionar sobre que professores estão sendo formados nos cursos de História nas Instituições de Ensino Superior brasileiras. Conforme afirma Renata Rodrigues é necessário que o professor seja capaz de realizar uma leitura atenta e questionadora dos conteúdos presentes nos livros didáticos (RODRIGUES, 2012, p.33). Mas como ter condições de realizar essa leitura se o professor não recebeu formação adequada? É sabido que não existem especialistas em Antiguidade lecionando aulas de História Antiga em todos os cursos de licenciatura em História no país. Muitas obras com debates fecundos e atualizados sobre conteúdos referentes às sociedades do Mediterrâneo sequer são traduzidas para o português ou estão disponíveis para os alunos. Para que seja possível que os professores da educação básica sejam capazes de analisar e questionar os livros didáticos disponíveis e produzir seu próprio material didático é preciso, antes, que haja uma transformação na estrutura e nos teores ministrados nos cursos superiores de História.

Em contrapartida, a ideia da Prática Curricular nos cursos de licenciatura é extremamente positiva, pois proporciona aos alunos a capacidade de identificar possíveis problemas em sua formação e propor soluções que visem ampliar seu conhecimento ainda enquanto graduandos. E aos professores das Instituições de Ensino Superior, tal tipo de experiência oferece a oportunidade de repensar o curso que os mesmos oferecem.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP n. 28, de 2 de outubro de 2001. Brasília, DF, 2001c. Disponível em:
http://www.uems.br/proe/sec/Parecer%20
CNE-CP%20028-2001.pdf.  Acessado em 06/02/2016.
FAVERSANI, Fabio. Ler e Escrever: Livros Didáticos. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 11-18, 2011.
FUNARI, Pedro Paulo. A Renovação da História Antiga. In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de sula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2013. p.95-107.
______. Poder, Posição, Imposição no Ensino de História Antiga: da Passividade Forçada à Produção do Conhecimento. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 8, nº 15, p.257-264, 1988.
GONÇALVES, Ana Teresa Marques. Os Conteúdos de História Antiga nos Livros Didáticos Brasileiros. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 3-10, 2011.
PINKSY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa e consequente. In: In: KARNAL, Leandro (org.). História na sala de sula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo: Contexto, 2013. p.17-36.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da Sala de Aula. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. p.54-66.
SILVA, Gilvan Ventura da. História Antiga no livro didático: uma parceria nem sempre harmoniosa. Dimensões – Revista de História da UFES. Vitória, n. 11, p.231-238, 2000.
______. Simplificações e Livro Didático: um estudo a partir dos conteúdos de História Antiga. Hélade. Niterói, Número Especial, p. 19-23, 2011.
RODRIGUES, Renata Cardoso Belleboni. Reflexões no ensino da História Antiga. NUPEM. Campo Mourão, v.4, p.1-12, 2012.
ROSSI, Andréa Lúcia Dorini; RODRIGUES, Lucas Luando Castela. Elaboração de Material Didático para o ensino de História Antiga. In: PINHO, Sheila Zambello de; SAGLIETTI, José Roberto Corrêa (orgs.). Núcleos de Ensino da UNESP: Artigos dos Projetos realizados em 2004, 2006, p. 655-665. Disponível em goo.gl/sgFuSm. Acessado em 09/08/2014.



13 comentários:

  1. No seu trabalho, percebi que o ensino de história antiga tanto na educação básica quanto no ensino superior ainda carece tanto de materiais didáticos quanto de professores bem mais preparados. Mas, o que eu gostaria de saber são as suas considerações sobre a BNCC – Base Nacional Curricular Comum, que em seu texto preliminar excluiu as áreas de história antiga e medieval do currículo escolar. Sei que houve um debate e parece que o texto será revisto, mas caso o texto seja aprovado com a exclusão dessas áreas, quais as consequências da ausência do ensino de história antiga para os estudantes, tanto do ensino básico quanto do ensino superior?

    Láisson Menezes Luiz

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    1. Olá Láisson! Obrigada por sua pergunta!
      É inegável que a exclusão dos conteúdos referentes às áreas de História Antiga e História Medieval do currículo escolar acarreta um prejuízo na compreensão do processo Histórico. Ainda que existam correntes que proponham o ensino de História através de temas, é preciso que o aluno possua um conhecimento cronológico amplo do processo. Não se pode limitar o horizonte de conhecimento sobre a experiência humana ao longo do tempo, pois isso também limita o olhar crítico e as reflexões dos discentes. Extrair a Antiguidade e o Medievo do currículo é um retrocesso imensurável e não contribui efetivamente para a compreensão de outros recortes da História, como propõe o texto inicial da BNCC.

      Saudações!

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    2. Sobre o eurocentrismo e o enciclopedismo, no século XX já tivemos profícuos debates sobre como reduzir os "estragos" (coloco entre aspas para não criar um anacronismo) provocados por tais conceitos. Historiadores como Pedro Paulo Funari, Norberto Luis Guarinello e outros, desenvolveram grandes contribuições para uma História Antiga com maiores abrangências de civilizações e seus costumes. O Positivismo, não esta mais tão em alta como nas décadas de 1980, e a instituição do PCN fortaleceu mais ainda a diversidade cultural propagadas nos livros didáticos. Tenho visto com certa desconfiança a Base Nacional Comum Curricular, e concordo contigo quando diz que: Extrair a Antiguidade e o Medievo do currículo é um retrocesso imensurável e não contribui efetivamente para a compreensão de outros recortes da História. Elvis Rogerio Paes

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    3. Olá Elvis! Obrigada por seu comentário! De fato, temos atualmente no cenário nacional diversos pesquisadores que conduzem de forma séria e atualizada a pesquisa e o ensino de História Antiga. Não há como não desconfiar do texto inicial sobre a BNCC, que mostrou claramente não ter sido elaborado por nenhum antiquista. Por este motivo, o mesmo foi analisado e criticado pelos especialistas em Antiguidade, que já enviaram um professor representante para discutir esse assunto com o MEC. Aguardemos o desenrolar do debate. Abraços!

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  3. José Petrúcio de Farias Jr.8 de março de 2016 às 12:47

    Boa tarde, Luana

    Parabéns pela investigação. Como disseste, a carência de especialistas em Antiga e Medieval é uma questão endêmica, sobretudo nas regiões norte e nordeste, ainda que este quadro de carências não seja atualmente tão evidente, pois os concursos têm mostrado um número de bom de candidatos que saem do centro-sul e se dirigem para norte e nordeste, regiões desprovidas de pós-graduações nestas áreas. O seu texto e o comentário do Prof. Geraldo Neto sobre o meu texto fez-me pensar sobre a necessidade de instigar os alunos a pensar sobre a prática curricular. Nosso PPP na UFPI está em fase de revisão, logo este é o momento oportuno para propor mudanças. Abraços.

    Prof. Dr. José Petrúcio de Farias Júnior
    UFPI/Picos

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    1. Olá prof. José Petrúcio! Muito obrigada! De fato, a prática curricular é de suma importância na formação dos professores. Propor o debate aos alunos e envolvê-los nesse processo de mudança é um exercício muito fecundo e engrandecedor para o curso. Me coloco à disposição no que for necessário. Mantenhamos contato. Grande abraço.

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  4. Boa noite, Luana
    Parabéns pelo seu trabalho. Minha formação é em História Antiga e, durante muito tempo, ministrei a disciplina em IES. Não raro notava uma resistência (às vezes declarada, às vezes disfarçada) entre colegas e alunos a respeito da importância do estudo da História Antiga e da viabilidade em conduzir pesquisas na área. Gostaria de saber se você já vivenciou alguma experiência semelhante ou se acha que já superamos esse preconceito no meio acadêmico.

    Gisele Oliveira Ayres Barbosa

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    1. Olá Gisele! Muito obrigada! Infelizmente, sim. Já presenciei o desinteresse pela Antiguidade, tanto por parte dos alunos quanto de professores. Tive uma colega que gritava aos quatro cantos, inclusive enquanto coordenava uma mesa redonda durante um evento, que era um absurdo pesquisarmos História Antiga no Brasil com tantos assuntos de caráter regional necessitando de estudos. Estamos longe ainda de superarmos esse preconceito acadêmico, mas aos poucos vamos demonstrando que é possível e importante pesquisar a Antiguidade no Brasil e que isso é plenamente possível. Abraços!

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    2. E isso! Pelo jeito o preconceito é disseminado pelos quatro cantos do pais (sou do RJ), mas felizmente o grande desenvolvimento das pesquisas na área nos últimos anos tem mostrado que estudar Antiguidade é possível (além de legítimo, como qualquer pesquisa). Obrigada! Gisele Oliveira Ayres Barbosa

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  5. Bom dia professora Luana, a senhora ressalta em seu texto a importância e deficiência do ensino de História Antiga nas instituições de ensino superior no Brasil, logo questiono,qual medida se faz necessária para a conscientização da devida importância do estudo dessa temporalidade da história e os mecanismo para tal? Karita Rezende Barbosa

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    1. Olá Kárita! Obrigada por sua pergunta! Acredito que trabalhar em os conteúdos relativos ao Mundo Antigo de uma forma séria e bem planejada, linkando os mesmos com a realidade dos alunos (seja para demonstrar semelhanças e/ou diferenças), já é um começo. O que percebo é que, tanto na educação básica quanto na superior, a Antiguidade muitas vezes é trabalhada de qualquer forma, sem problematizações pertinentes, seja por despreparo ou desinteresse do professor.

      Abraços.

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  6. Boa tarde, Professora Luana.

    Preocupante essa discussão sobre as carências no Ensino Superior. Vivenciei isso na minha formação acadêmica e penso o quanto temos a fazer para suprir a falta de conhecimento e instigar nossos alunos a valorizar a História Antiga.

    Abraço

    Eloane Aparecida Rodrigues Carvalho

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