Isaias Holowate

OS FENÍCIOS: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA A PARTIR DA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL

Isaias Holowate



Introdução

No ano de 1851, o surgimento da escrita foi pela primeira vez utilizado pelos historiadores como o parâmetro de separação entre os tempos Pré-histórico e Histórico. Nessa época em que a História como Ciência dava seus primeiros passos, historiadores como Leopold Von Ranke defenderam a importância do documento escrito como a fonte histórica que relataria a verdade. (MARTINS, 2010) Nos tempos posteriores, após a ascensão da Escola dos Annales, diversos historiadores contestaram essa teoria demonstrando a presença de diversos discursos e subjetividades presentes nos estudos das fontes escritas.

Nos livros didáticos de História Antiga, a escrita costuma aparecer apenas em breves citações, de forma simplificada. Geralmente aparece como: ponto de divisão entre Pré-história e História, a escrita hieroglífica egípcia, as escritas cuneiformes Mesopotâmicas, o alfabeto Fenício, o alfabeto Grego e as escritas ideográficas e logográficas Chinesas e Japonesa .

Contudo o desenvolvimento da escrita, foi um importante fator aglutinador no desenvolvimento das sociedades. Desde o período paleolítico, quando os grupos de caçadores faziam suas pinturas nas paredes das cavernas, representando suas caças, esses signos pictográficos tinham um significado intrínseco para o grupo. Seu surgimento foi um dos marcos no desenvolvimento das civilizações alterando de forma drástica a estrutura dessas sociedades e complexificando suas estruturas políticas, sociais, econômicas e culturais. A compreensão das especificidades dos processos de seu surgimento e das características nessas sociedades nos permite uma compreensão mais aprofundada da forma com que essas culturas se estruturavam.

O projeto de ensino sobre a cultura fenícia teve como objetivos a compreensão dos laços de identidade e diferenças entre práticas culturais letradas do passado e do presente, a compreensão da História como um processo dinâmico, em que as práticas quotidianas da sociedade contemporânea descendem de inovações ocorridas no decorrer do tempo, além de buscar dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações buscando possibilitar uma melhor compreensão da influência escrita na estrutura social da atualidade.

A escrita na História

A Fenícia foi uma sociedade que entre aproximadamente os anos 3000 A.C. e 300 A.C. ocupou o território do atual do Líbano, organizada em diversas cidades-estados, onde a escrita esteve ligada ao desenvolvimento do comércio, possibilitando o contato com povos distantes, e permitindo o florescimento de uma cultura bastante diferenciada dos outros Estados existentes no período. Mantiveram uma estrutura política descentralizada e sem um poder absoluto. Sua cultura influenciaria de forma drástica a cultura grega, chegando até nós, notadamente através da invenção do alfabeto fenício. Esse sistema de escrita possibilitou a comunicação entre povos distantes e teve grande importância no desenvolvimento de toda a cultura ocidental. (HARDEN, 1971)

A civilização fenícia se baseou principalmente no comércio marítimo. Seus barcos comercializavam com a Ilha de Chipre, Egito, península Itálica e a Espanha. Foram também fundadores de importantes colônias, das quais a principal foi Cartago, que dos séculos VI até o III A.C. era uma das mais importantes potências navais do Mediterrâneo Ocidental .

A grande revolução na arte da escrita introduzida pelos Fenícios foi o alfabeto constituído de apenas 22 sinais, que representavam apenas as consoantes, não havendo sinal para as vogais. Esses signos quando combinados, podiam representar qualquer palavra na língua Fenícia, enquanto que outros sistemas de escrita, como o hieroglífico, possuíam centenas de signos.

Materiais e métodos

Pensamos o processo de ensino-aprendizagem como um processo de estímulos culturais em que as apropriação do conhecimento ocorre no ensino que está dentro da Zona de desenvolvimento próximo (VYGOTSKI, 1984)  aos quais o aluno consegue realizar associações cognitivas.

O professor, no processo de ensino-aprendizagem, deve funcionar como um mediador do conhecimento, de forma à compreender as necessidades e especificidades do ambiente social ao qual realiza suas atividades, buscando promover um ensino que forme cidadãos autônomos, capazes de pensar e questionar a sociedade em que vivem. (FREIRE, 2002)

Na escolha pelo tema "Os Fenícios",  foi optado por trabalhar "a escrita na História", dando ênfase na revolução do alfabeto Fenício, com o objetivo de ensinar a História partindo do presente para o estudo do passado, situando o aluno no tempo e espaço, apreendendo o dinamismo do processo histórico, em que as práticas históricas do presente descendem de outras práticas surgidas no passado.

As aulas começaram com uma exposição sobre o tema. O objetivo dessa exposição era permitir aos alunos reconhecer laços de identidade e diferenças entre práticas culturais letradas do passado e do presente, compreender o dinamismo da História e dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações. A exposição partiu do presente para estudar o surgimento da escrita na Mesopotâmia no quarto milênio antes de Cristo, e passando pela escrita Hieroglífica egípcia, pelo surgimento do alfabeto Fenício e pelo alfabeto grego.

Em seguida, foi realizada uma dinâmica com o objetivo de possibilitar aos alunos compreender a importância das diferentes formas de escrita nas sociedades antigas. Na parte final das atividades, os alunos montaram com apoio do professor, um quadro teórico sobre as estruturas sociais, políticas e culturais da sociedade fenícia e a partir dos resultados dos quadros, foi discutida as mudanças e continuidades dessa sociedade em relação à sociedade brasileira atual.

Resultados

Os resultados obtidos foram bastante positivos, embora, sendo o processo de aprendizado individual, cada aluno atingiu níveis variáveis de aprendizagem.  A maioria conseguiu compreender a processualidade da História no estudo desse tema, de como algumas continuidades se mantém no tempo, sendo que inclusive alguns  conseguiram tanto dimensionar a importância da escrita no desenvolvimento das civilizações, como compreender as mudanças que esta sofreu no decorrer do tempo, com debates questionando a influência da escrita na atualidade.

Considerações finais

As atividades realizadas permitiram uma melhor compreensão da processualidade do ensino, assim como das trocas sociais no ato de ensinar, sendo que ao mesmo momento em que ensinamos os alunos, também aprendemos a ensinar observando e refletindo sobre a aprendizagem do aluno. Também, o ensino da História Cultural aparece como extremamente importante para a formação do aluno como ser social, capaz de compreender e respeitar as diferentes culturas, conhecendo a história do passado para compreender a atualidade.

Referências

BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar a História: Das origens do Homem à Era digital São Paulo: Moderna, 2011.
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da historiografia: a Escola dos Annales 1929-1989 tradução Nilo Odália. - São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.
CHARTIER, R. A História cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 92p
HARDEN, Donald Bazum. Os Fenícios. Traduzido por: M. Farinha dos Santos. Editora Verbo; Lisboa, 1971;
RAMOS, Ronald. Cultura fenícia. In: www.monografias.com. Acesso em 5 de julho de 2014.
RANKE, Leopold von. O Conceito de História Universal. In: MARTINS, Estevão Rezende (org.) A História Pensada. Teoria e Método na Historiografia Europeia do Século XIX. São Paulo: Contexto, 2010, pp. 202-216.
RÜSEN, J. História Viva - Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.
VYGOTSKY, Lev. Pensamento e linguagem. São Paulo: 4º ed. Martins Fontes, 2008.
______. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.


5 comentários:

  1. É através do passado que compreendemos o Presente, daí a importância de Estudar a História Antiga!
    Anderson Lúcio da Silva.

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    1. Caro Anderson
      Obrigado pelo apontamento
      Concordo plenamente contigo!
      A possibilidade de compreensão da realidades na sociedade envolve obrigatoriamente o entendimento da historicidade das práticas do ser humano. Por isso o esforço em possibilitar aos alunos a compreensão de que eles - como seres sociais - constroem História e são construídas por ela, pois assim como as pessoas, também as técnicas, costumes e atividades, são historicamente construídas se faz necessário compreendê-las.

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  2. Isaias Holowate
    Qual a maior dificuldade para o trabalho com este tema em relação às dificuldades da ocorrência das fontes da história antiga no Brasil?
    Fernando Schinimann

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  3. Caro Fernando
    Obrigado pela pergunta
    No ensino de História Antiga, e em particular, na preparação de materiais para essa atividade, certamente a dificuldade de acesso às fontes se apresenta como um dos problemas que mais tornam difíceis a atuação do professor, pois, infelizmente, não existem muitos pesquisadores nacionais sobre o tema e poucas fontes e obras bibliográficas encontram-se traduzidos para a língua portuguesa. Contudo, isso é superado em parte, pela presença de uma diversidade de traduções sobre as escritas antigas e obras sobre a história da escrita e práticas sociais dos Fenícios em língua inglesa e espanhola.
    Nesses casos, faz-se muito importante, a atuação do professor/pesquisador, de forma a estudar as fontes, traduzi-las e prepará-las de forma a atingir o público alvo em sala de aula, mediando o conhecimento, de forma a respeitar a Zona de desenvolvimento do aluno,possibilitando um aprendizado produtivo e prazeroso.

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  4. Ivanize Santana Sousa Nascimento11 de março de 2016 às 15:33

    Boa-noite,Isaias! Concordo com você,quando exalta a herança fenícia.Então,o que a BNCC é certo? Tentando excluir a antiguidade do ensino da História?

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