Daniele Frediani

OS CAMINHOS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Daniele Cristina Frediani



Quando se pensa na história da disciplina de História, uma primeira questão que se faz necessária a se discutir, ao menos de forma sucinta, é a história das disciplinas escolares. A definição utilizada atualmente define como disciplina escolar o conjunto de conhecimentos identificados por um título ou rubrica e dotado de identificação própria para o estudo escolar, com finalidades específicas ao conteúdo de que trata formas próprias para sua apresentação (FONSECA, 2006, p.15).

História da Disciplina de História

O ensino de História no Brasil ficou direcionado por um longo tempo a uma formação política e cristã da sociedade. "A História ensinada era uma História Civil articulada a História Sagrada, aprendia-se a moral cristã e o conhecimento histórico era utilizado como catequese" (PCN História,1997. p.19).  Afirmando essa pragmática Circe Bittencourt (2004) relata que

desde o início da organização do sistema escolar ,a proposta de  ensino de Historia    voltava-se para uma formação moral e cívica ,condição que se acentuou no decorrer  dos séculos XIX e XX .Os conteúdos passaram a ser elaborados para construir uma idéia de nação associada à de pátria, integradas como eixos indissolúveis.(BITTENCOURT.p.61,2004).

No Período Regencial Brasileiro (1831-1840), momento de grande efervescência  política, devido a movimentos separatistas, usou-se o Ensino de História para construir uma suposta "identidade nacional".  Para este intento, foi criado em 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), sob a incumbência de imperador D. Pedro II, o instituto previa uma homogeneização de um passado nacional com ênfase nos grandes feitos da monarquia e desvelo a História Europeia. O IHGB assumiu a premissa de escrever a história oficial do País.

Neste mesmo momento histórico e sob influencia do IHGB, o Ensino de História passou a se configurar como uma disciplina específica do ensino secundário,  sendo ministrado no Colégio Pedro II, que era considerado público, mas era pago e voltado às elites.

A História do Brasil só foi introduzida no ensino secundário após 1855. Foram desenvolvidos programas para as escolas elementares, mas mantendo a História Sagrada e também a História Nacional.

No final da década de 1970, foram elaboradas reformulações no currículo, que visavam retirar a História Sagrada e criar apenas uma História Profana, já que estavam surgindo discussões como: o fim da escravidão, debates sobre o ensino laico, a transição do Império para a República, e a proposta de separação do Estado da Igreja.  A História do Brasil seguia o modelo da História Sagrada com as ações dos Santos e dos Heróis que construíram a nação.

"Os programas de História do Brasil seguiam o modelo consagrado pela História Sagrada, substituindo as narrativas morais sobre a vida dos santos por ações históricas realizadas pelos heróis considerados construtores da nação especialmente governantes e clérigos." (PCN de História, 1997. p.20).

Percebe-se que o Ensino de História era somente através de memorização e repetição oral dos textos escritos, com materiais escassos, predominando apenas a fala do professor, transmitindo os conhecimentos dos livros como algo único e acabado, sem nada a acrescentar.

Através de algumas mudanças que ocorreram no final do século XIX, a implantação da República, a abolição da escravatura e a vinda de imigrantes para o nosso país, o Ensino de História sofreu algumas modificações, buscaram-se novos meios de ensino para uma possível transformação do país.

"No plano do currículo, os embates e disputas sobre a reelaboração de determinados conteúdos foram essenciais para a definição das disciplinas escolares, dividindo aqueles que o desejavam baseados em disciplinas mais científicas, portanto, mais técnicas e práticas, adequadas à modernização, e aqueles que defendiam as disciplinas literárias, entendidas como formadoras do espírito.(...) A História passou a ocupar no currículo um duplo papel: o civilizatório e o patriótico, formando, ao lado da Geografia e da Língua Pátria, o tripé da nacionalidade, cuja missão na escola elementar seria o de modelar um novo tipo de trabalhador: o cidadão patriótico." (PCN,1997.p.20)

Em 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública e a reforma do ministro Francisco Campos, acentuou-se o poder central do Estado e do controle sobre o ensino, havia um único modelo de Ensino de História para todo o país, com ênfase ao estudo de História Geral. A educação estava sofrendo grande influencia do movimento escolanovista, e discutia-se neste momento, a implantação dos Estudos Sociais no currículo escolar em substituição à História e à Geografia.

Com processo de industrialização e urbanização houve novas questões para o Ensino, preocupava-se com a inclusão dos povos brasileiros na História. Alguns historiadores procuravam identificar as causas de nosso atraso econômico, enquanto outros apontavam para a necessidade de se buscar conhecer a identidade nacional, integrando as três raças formadoras do país.

"Nessa perspectiva, o povo brasileiro era formado por brancos descendentes de portugueses, índios e negros, e, a partir dessa tríade, por mestiços, compondo conjuntos harmônicos de convivência dentro de uma sociedade multirracial e sem conflitos, cada qual colaborando com seu trabalho para a grandeza e riqueza do País."  (PCN, 2007.p. 21)

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorreram muitas lutas referentes ao Ensino de História, e também um grande avanço dos Estudos Sociais. "Podem-se identificar dois momentos significativos nesse processo: o primeiro ocorreu no contexto da democratização do País com o fim da ditadura Vargas e o segundo durante o governo militar." (PCN, 2007. p.22)

A História passou a ser considerada uma disciplina de extrema importância para a formação da cidadania. Começou, então, a  apresentar-se conteúdos mais humanísticos e pacifistas, e também um imenso cuidado na organização curricular e na produção de materiais didáticos.

(...) A Unesco passou a interferir na elaboração de livros escolares e nas propostas curriculares, indicando possíveis perigos na ênfase dada às histórias de guerras, no modo de apresentar a história nacional e nas questões raciais, em especial na disseminação de idéias racistas e preconceituosas." (PCN, p.22)

Havia uma grande necessidade do Ensino de História trabalhar tanto os processos econômicos como os avanços tecnológicos e culturais do país, e com isso as disciplinas de História e Geografia passaram a dar mais espaço para os Estudos Sociais.

A partir da lei n° 5692/71, durante o Governo Militar, a História e a Geografia são definitivamente substituída pelos Estudos Sociais , houve então a aplicação dessa disciplina ao lado da Moral e Cívica e com estudos históricos e geográficos.

Nesse período houve muitas mudanças, tanto no Currículo como nos métodos de ensino, as propostas metodológicas relatavam que os estudos sobre a sociedade deveriam estar vinculados aos estágios de desenvolvimento psicológico do aluno, iniciava-se o estudo do mais próximo, a comunidade ou o bairro, indo sucessivamente ao mais distante, o município, o estado, o país e o mundo; a história do mundo, por exemplo, não era ensinada na Escola Primária.
Podemos citar também o ensino obrigatório de oito anos da escola de Primeiro Grau; o fim do exame de admissão, a criação das licenciaturas curtas, como exemplos dessas mudanças que ocorreram nesse período.

A partir da década de 80, iniciou-se o processo de redemocratização do país, onde os conhecimentos passaram a ser questionados, ocorrendo algumas reformas curriculares. As reformulações datadas entre 1985 e 1995 revelam que os Estados de Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, decidiram por extinguir os Estudos Sociais, apresentando propostas especificas para as disciplinas de História e Geografia.

As escolas apresentavam uma nova realidade, com uma nova clientela de alunos de diversas classes sociais. Alguns faziam parte do processo de migração do campo para a cidade, e estavam rodeados de novas tecnologias. Essas eram algumas das mudanças que não poderiam ser ignoradas.

As propostas curriculares passaram a ser influenciadas por diversas tendências historiográficas como a História Cultural, Social e do Cotidiano.

Os historiadores voltaram-se para a abordagem de novas problemáticas e temáticas de estudo, sensibilizando por questões ligadas à História Social,Cultural e do Cotidiano, sugerindo possibilidades de rever no Ensino Fundamental o formalismo da abordagem histórica tradicional. (PCN, 2007.p. 24)

Os currículos de História foram sendo analisados e desenvolvidos de acordo com a clientela a ser atendida, os conteúdos foram ampliados a partir das escolas de Educação Infantil e dos primeiros anos do Ensino Fundamental. Obtiveram-se novas formas de trabalhar a disciplina de História, enquanto uns optaram pela forma cronológica, outros preferiram temas (eixos temáticos).

Referências

BRASIL. Lei n°5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Disponível em: http://www.prolei.inep.gov.br  Acesso em 16 de novembro de 2014.
BITTENCOURT, Circe M. Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2004.
FONSECA, Thaís Nivea de Lima. História e Ensino de História- 2ª ed, 1ªreimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
Parâmetros Curriculares Nacionais - História e Geografia. Brasília: MEC, SEF, v. 5,1997.
_____. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. 5ª a 8ª séries. Brasília: MEC/SEF, 1998.



22 comentários:

  1. Leandro Vieira Gusmão

    Olá Daniele, gostei bastante do seu trabalho. Concordo com você quando relata que nos dias atuais o Ensino de História passou a privilegiar novas abordagens e fontes, mas acredito que foi um passo que ainda não foi totalmente dado, os conhecimentos prévios dos alunos, ainda não são tão considerados.

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    1. Daniele Cristina Frediani


      Olá Leandro, obrigado pelo comentário, concordo com você, o Ensino de História ainda tem muito a evoluir, principalmente no que se refere a valorização dos conhecimentos prévios dos alunos. Com a Escola dos Analles ampliou-se muito os objetos que passaram a ser considerados como fontes, mas esses embates precisam estar presentes no ambiente da sala de aula, pis só assim ocorrerá uma aprendizagem significativa.


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  2. Michelle Cristina Frediani

    Olá Daniele achei bastante interessante seu comentário sobre a importância de compreendermos a história das disciplinas escolares para compreendermos o contexto socio histórico-cultural de uma determinada sociedade.

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  3. Olá! Excelente trabalho. Quando você aborda que a História ensinada no período regencial era aquela voltada para a exaltação da identidade nacional e, baseada nas narrativas dos grandes feitos, heroicos. Era um reflexo da historiografia dominante a época, a primeira fase do Historicismo. Como você prevê a abordagem que será adotada hoje, quando está muito presente a ideia de alteridade, no contraste das minorias/maiorias, na narrativa social recortada?

    Muito obrigada!

    Daniele Pereira Coelho Nogueira

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    1. Olá Daniele, eu como professora de História sou bastante otimista em relação aos rumos que o Ensino de História vem projetando. Acredito que ainda há muito o que ser discutido no que se remete a empatia e alteridade assim como o relativismo cultural, mas considero que já existem muitos debates acerca disso, mas acredito debates também precisam estar nas salas de aula, pois muitas vezes eles acabam ficando presos nas universidades.

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  4. Eliane Pereira de Souza


    Olá Daniele excelente seu trabalho! O ensino de História por muito tempo privilegiou os grandes homens e grandes feitos. Nos dias atuais o Ensino de História passou a abordar diversos sujeitos até marginalizados, sendo isso um grande avanço para o campo educacional.

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  5. Conceição Garcia

    Olá Daniele tudo bem, sou formada em Pedagogia e atuo na Prefeitura de Santo Antônio da Platina. Achei bastante seu trabalho principalmente por você sintetizar a trajetória da disciplina de História. Daniele gostaria de saber na sua opinião qual é a melhor maneira de se trabalhar a disciplina de História nos anos Iniciais.


    Abraços.

    Conceição Garcia

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  6. Maria Aparecida Nalesso Claro de Oliveira

    Parabéns pelo seu trabalho Danielle, achei bastante interessante seu tema. Gostaria de saber sua opinião sobre a questão da alteridade no Ensino de História.

    Abraços.
    Maria Aparecida Nalesso Claro de Oliveira

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  7. Daniele,

    Lendo seu texto encontrei a disciplina de "Estudos Sociais". Não sei se você já deu uma olhada na proposta para discussão que o MEC tem colocado para o ensino de História. Acho que é a volta dos "Estudos Sociais". O que você acha?

    Um abraço,

    José Antônio Lucas Guimarães

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  8. Oi José, em relação a volta da disciplina de Estudos Sociais, ou como prevê o MEC a terminologia de Ciências da Humanidades, acredito que seja um retrocesso essa colocação. Apesar de alguns especialistas preverem que essa pragmática trabalhe os conteúdos de maneira interdisciplinar, considero que se realmente essa vertente for seguida, o Ensino de História por exemplo vai sofrer um grande esvaziamento.

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  9. Boa noite Daniele, parabéns pelo texto , muito claro e satisfatório. Gostaria de saber sua opinião a respeito das
    atuais propostas curriculares do Ensino de História. Obrigado!
    André Luis Resende Paulino

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  10. Olá Daniele, parabéns pelo trabalho! Referente a Educação Moral e Cívica, da qual faz o seguinte argumento "A partir da lei n° 5692/71, durante o Governo Militar, a História e a Geografia são definitivamente substituída pelos Estudos Sociais , houve então a aplicação dessa disciplina ao lado da Moral e Cívica e com estudos históricos e geográficos" Pode-se considerar que a disciplina de OSPB também foi fundamental nessa época?

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    1. A formação dos Professores de Educação Moral e Cívica assim como os de História e Geografia eram a mesma na Ditadura Militar então apesar de a disciplina de EMC e OSPB não estarem imbricadas com a de Estudos Sociais(História e Geografia), ambas caminhavam lado a lado nesse momento histórico.

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  11. Olá Daniele! Sua proposta manifesta uma preocupação com a História local como ponto de partida,da qual os ampliem sua capacidade de olhar seu entorno para compreensão de relações mais amplas. Contudo, gostaria de saber se você pode me dizer como podemos projetar um aluno ideal em sua vivência virtual?

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  12. Olá Daniele! Parabéns pela sua pesquisa! Como você mencionou até o começo dos anos 80, ensinava-se História principalmente com o objetivo de criar uma identidade nacional do aluno. Mas, muitas vezes essa "identidade" não poderia deixar mais dúvidas do que identificações? Um abraço Silvana de Oliveira

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  13. Olá Daniele! Sou professora e gostaria de saber qual o ponto de partida para ensinar História nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Um abraço Silvana de Oliveira

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  14. Olá Daniele. Excelente trabalho! Achei muito interessante o tema, e como professora, gostaria de saber sua opinião. Das novas formas de trabalhar a disciplina de História, qual seria mais interessante para trabalhar com alunos do Ensino Médio?

    Muito obrigada.
    Josiane Fernandes da Silva Rodrigues.

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  15. Oi Daniele,
    Parabéns pelo texto
    Você tem conhecimento sobre a real implantação, na prática, da disciplina Estudos Sociais, há estudos indicando a adesão ou não de todas as escolas frente à proposta do Estado, ou teve casos de resistência?

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  16. Olá Daniele, texto excelente! Você citou os currículos de História que são analisados, desenvolvidos de acordo com sua clientela, desde a Educação Infantil. Como podemos trabalhar o ensino de História com essa faixa etária?

    Muito obrigada.
    Jeseanie Rocha de Araújo Pavan

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  17. Cara Daniele,
    Achei interessante a parte que você cita sobre a Educação Moral e Cívica, você poderia falar um pouco mais sobre essa disciplina?
    Obrigada!
    Danielle Pereira

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    1. Olá Daniele, a disciplina de Educação Moral e Cívica se tornou obrigatória e necessária no contexto da Ditadura Militar através do Decreto lei 868/69. A disciplina suplantava a ideologia da Ditadura Militar e seguia os preceitos da Doutrina de Segurança Nacional. Ela era uma estratégia do governo para a formação de cidadãos que seguissem fielmente a lógica do governo.

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  18. Olá Daniele, gostei muito de seu trabalho, ainda bem que os currículos passaram por análises, e foram desenvolvidos de acordo com a clientela atendida, pois fica mais fácil trabalhar, os alunos aprenderem e se interessarem pela disciplina, quando os temas/assuntos partem da sua realidade.

    Daniele Cristina Aguiar Matta Zanette.

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