Júlia Helane

O ENSINO DE VALORES NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES

Júlia Helane Assis da Silva



Introdução

Pensar em como ensinar História sempre suscitará debates acerca dos possíveis caminhos a serem percorridos. Mas quando os estudantes questionam: 'Mas... pra quê mesmo que eu preciso saber disso tudo? De toda essa 'História'?' A preocupação em tornar compreensível o sentido da História ensinada também se torna imperativo e as possíveis respostas nos leva a refletir em o que se pretende hoje no ensino desta disciplina.

Por um bom tempo percebemos a necessidade de se ensinar História levando em consideração a importância de se discutir os métodos e processos presentes na construção de seu discurso, além do contexto e do lugar social do historiador que escreveu determinada narrativa. A preocupação consistia em levar o aluno a problematizar que o campo de conhecimento da História é constituído por discursos e escolhas, que nada mais são do que pontos de vista, e não verdades a serem adquiridas sob a forma dos conteúdos disponibilizados nos livros didáticos. Nesse sentido, como se realizaria então o ensino da História nesta perspectiva: sem o estudo de um conteúdo. A resposta encontrada seria que ao lado do procedimento metodológico, a necessidade do estudo de uma narrativa com enredos e personagens também é fundamental. Seguindo este pensamento, quais os conteúdos necessários para se compreender a História, e ainda mais, o que é levado em consideração quando se realiza a escolha desses conteúdos?

O quadro de conteúdos reunidos para compor o saber histórico escolar constitui o que compreendemos por disciplina escolar - neste caso, a disciplina História - que é formada de acordo com FONSECA (2003), por um ''conjunto organizado de conhecimentos, apropriados para a escola'', representando o reflexo de sua época, onde, segundo a mesma autora:

Elas podem ser compreendidas tanto em seu processo de construção no tempo, como em suas relações com a produção do saber científico, com os interesses políticos do estado ou de grupos específicos da sociedade, com os mecanismos de divulgação e vulgarização do saber, com as influencias de universos culturais específicos nos quais se produziram ou nos quais atuam e, é claro, com as práticas que as envolvem no universo escolar propriamente dito. (FONSECA, 2003 p.9)

Deste modo, considerando as influências dos atores envolvidos na construção da disciplina escolar, escolhe-se também o que se deve ou não fazer parte da memória coletiva, abarcando deste modo a seleção dos valores que devem ou não ser incorporados pelos estudantes.

O papel formador da disciplina escolar História

Em uma visita à História do ensino de História no Brasil e no mundo, observamos que o saber histórico escolar foi ao longo dos anos pensado tendo em vista uma finalidade, seja no empreendimento de uma História Sagrada - no seio da Igreja Católica - seja pelo viés de uma História Nacional- de responsabilidade do estado - esta disciplina estava associada a um ideal, uma vez que se preocupava com a formação (moral) do ser humano o que implicava certamente o ensino de valores, expressos enquanto formas de condutas que deveriam ser respeitadas ou obedecidas dependendo do contexto para a vida em sociedade, reafirmando que:

A História como formadora de subjetividades, é um saber e uma prática inseparável de discussões éticas e políticas. O ensino e a escrita da História implicam sempre a tomada de posição política e defesa de valores, mesmo quando não se está atento para esses aspectos. (ALBUQUERQUE, Durval Muniz, 2012, pp.33).

A seleção implícita ou explícita de valores no campo da História ensinada tenderia, portanto, à conduzir e guiar, indicando deste modo o dever-ser, pois, uma de suas definições compreende que ''os valores não são coisas ou supra-coisas, não tem realidade ou ser, mas seu modo de ser é o dever-ser'' (ABBAGNANO, Nicola 2007 pp. 1004). Situando-se assim no campo das subjetividades, da vontade do homem social, neste caso, se relacionando com as atitudes de conduta que se deseja da humanidade em detrimento de outras possivelmente nocivas:

A melhor definição de Valor é a que considera como possibilidade de escolha, isto é, como uma disciplina inteligente das escolhas, que pode conduzir a eliminar algumas delas ou a declará-las irracionais ou nocivas, e pode conduzir (e conduz) a privilegiar outras, ditando a sua repetição sempre que determinadas condições se verifiquem (ABBAGNANO, 2007 p. 1004).

Para Dilthey ''A própria história é a força que produz determinações de Valor, ideias e metas, com base nos quais se determina o significado de homens e acontecimentos.'' (ABBAGNANO, 2007 pp. 1003). Os valores, compreendidos ainda na expressão dos significados do passado, seriam uma forma de conhecer as permanências e rupturas no seio da sociedade, além dos modos do saber e do fazer dos homens em função do tempo. A possibilidade de investigação desse movimento, nos leva a pensa-los ainda, concordando com Eric Hobsbawm (1998), como o setor inflexível da História, já que o processo de mudança de valores muitas vezes se faz lenta encontrando-se resistências, pois o ''passado social formalizado é claramente mais rígido, uma vez que fixa o padrão para o presente'' (HOBSBAWM, 1988 pp.23).

Sendo assim, seu ensino se realizaria a princípio por duas vias: a primeira na qualidade de manter determinados valores; a segunda, de revê-los como é o caso da inserção do debate de gênero em sala de aula nos dias atuais. Um exemplo significativo do percurso de manutenção e até mesmo de revisão do sistema de valores no Brasil é a questão da cidadania, valor presente desde os primeiros indícios da História ensinada no país.

Considerações: Quais valores queremos?

Na medida em que é elaborada pelo estado, pelos agentes da educação e, de certa maneira, em diálogo com os desejos da sociedade em geral, ainda que se constituam em embates intermináveis do que seja moralmente certo ou errado, as subjetividades estão presentes nos programas curriculares do ensino escolar, que nos mostram quais são os valores desejáveis de nosso tempo. Sendo possível verificar que o ato da seleção de conteúdos históricos tem o intuito de ensinar um acontecimento para a partir daí tecer reflexões morais imersas de valores.

Portanto, tendo em vista que a História tem sido mediadora do ensino de valores e que nos dias de hoje não se distancia desta tarefa, a pergunta que continua ecoando seria a de que: é possível estabelecer valores permanentes ou inerentes ao campo da História? Ou seja, valores imprescindíveis para o seu ensino, um valor que independa do tempo no qual se encontre, já que toda narrativa histórica transformada em saber histórico escolar tem um valor implicado.

A resposta longe de ser única, acompanha a rede de relativismo em que a História foi constituída, uma vez que 'a história afirma o que é verdadeiro; no entanto, suas verdades não são absolutas', segundo (PROST,2014, p. 257). O debate em torno do ensino de valores entra, portanto, neste mesmo paradoxo de determinação da verdade, mas que ainda continua com a tarefa de conduzir e guiar o indivíduo.

Tais reflexões são uma tentativa de responder aos alunos o que pretende o estudo da disciplina História, qual seu sentido de compreender o que somos hoje, ao mesmo tempo em que nos leva a refletir o que de fato é importante aprender e ensinar, que tipo de estudos a História pode ainda pode nos revelar, que dúvidas ainda podemos ter acerca do ensino dos diferentes discursos que encontramos ao longo do nosso percurso enquanto professores, e de como caminhar a partir destas considerações.

Referências

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Fazer defeitos nas memórias: para que serve o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de Almeida ET AL (org.). Qual o valor da história hoje? -Rio de Janeiro: Editora FGV, 201, p. 21-39.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: Experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.
FONSECA, Thais Nívia de Lima. História & ensino de História. -3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. 120p.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

PROST, Antoine. Doze Lições sobre a história. -2 ed.;2. Reimp. -Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.

9 comentários:

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    1. Olá Cyanna, muito obrigada. Esta pesquisa está no início. Por enquanto não tenho outros textos publicados, mas posso te enviar a bibliografia que estou utilizando. Me manda seu email. Te aguardo. Júlia Helane

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Oi, Júlia, Muito obrigada mesmo. Meu e-mail é cyanna.mf@gmail.com
      Um abraço!
      Cyanna Fochesatto

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  2. Gostaria muito de parabenizá-la pela pesquisa. É um tema muito pertinente para todos os professores da área das Humanas. Dar sentido ao estudo da História, especialmente quando nem sempre ela é valorizada na sociedade, é algo bem complicado. Se você tiver mais textos publicados nessa temática poderia me passar a bibliografia ou os links? Fico muito grata. Um abraço e parabéns novamente.
    Cyanna Missaglia

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  3. Sempre quando debato valores em minhas aulas tenho muito medo de atrelar isso à religiosidade e prestigiar uma delas em detrimento das demais. Qual seria a melhor forma de tratar a temática em um ambiente de forte concentração religiosa sem se deixar contagiar pela mesma?

    Ass.: Cleberson Vieira de Araújo

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    1. Oi Cleberson, a questão dos valores é realmente um caminho delicado a se seguir, e sempre me pergunto qual valor devo me atentar. A solução que tento apresentar aos alunos é evidenciar que os valores são históricos, são adquiridos ao longo da vida e elaborados por grupos que detém determinados interesses, e que, portanto, na época que está sendo estudada deve-se considerar os fatores para sua construção, de modo a problematizar a sua condição absoluta. Evidenciando ainda a sua hierarquização em relação a outros valores oriundos de outros contextos (neste caso, religioso). Não sei quais as exigências da sua instituição de ensino, mas acredito na importância de mostrar as versões, apoiadas na concepção de que os valores são o modo no qual a sociedade de cada período encontrou para estabelecer um bem-viver coletivo.

      Abraços Juúlia Helane Assis da Silva

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  4. O material didático disponibilizado nas escolas faz uma espécie de "divisão em castas" dos construtores da nossa nação, colocando sempre em evidência os brancos e marginalizando negros e indígenas. Nós acostumamos tanto com este conceito que a nossa sociedade preserva esse conceito de branco/rico - preto/pobre. É possível que o professor consiga transmitir com êxito os valores de respeito à diversidade racial apesar de tanto racismo existente?

    Rosimeri da Silva Bueno.

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    1. Oi Rosimeri, é possível sim. Podemos utilizar o próprio livro didático como documento histórico, onde o professor pode fazer perguntas e compará-lo com outro material, apresentando diferentes olhares sobre a mesma temática.

      Abraços.
      Julia Helane Assis da Silva

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