Janaína Jaskiu

HISTÓRIA PRA QUÊ? O USO DO "VELHO E BOM" JORNAL NO ENSINO DE HISTÓRIA

Janaína Jaskiu



A educação escolar enfrenta inúmeros desafios das mais variadas razões e motivações. A escola, enquanto instituição, busca continuamente reafirmar sua função social: é um ambiente que "ensina" muito mais que conhecimentos sistematicamente organizados nas disciplinas tradicionais, ali se aprende conteúdos sociais e culturais associados a comportamentos, valores e ideias políticas. Para tanto é preciso perceber o/a aluno/a enquanto sujeito e partir daquilo que lhe é próximo.

O ensino de História, num momento em que as informações são disponibilizadas com muita rapidez e a comunicação ocorre em tempo real, padece de muitos questionamentos. O que selecionar e como fazer para que tenha sentido para os/as estudantes? Essas perguntas estão presentes nas discussões da Base Nacional Comum em construção sob a responsabilidade do Ministério da Educação. Talvez a problemática maior nem seja o recorte de conteúdos, mas como desenvolver a habilidade de perceber o "não dito" nas narrativas históricas.

Esse aprender a pensar é o desenvolvimento do pensamento histórico. Janice Theodoro em seu texto "Educação para um mundo em transformação", propõe "para que possamos vencer o desafio da vida contemporânea temos que problematizar a realidade que nos cerca. Para problematizar, o primeiro passo é conhecer." (2010, p. 51) Para tanto é preciso identificar a origem das narrativas postas como "verdades"; comparar os discursos relacionando as semelhanças e diferenças.

Partindo da identificação dessa nova geração como pertencente à cultura das mídias, é primordial que se desenvolva uma capacidade de ler o mundo através dessas informações (BITTENCOURT, 2009, p.109). Nesse sentido, a História enquanto disciplina escolar tem fundamental importância. Não se trata da reprodução daquilo que está no livro didático ou mesmo de uma aula colóquio como categoriza Isabel Barca (2004), mas de uma aula dialógica na qual o/a professor/a apresenta uma fonte para o/a aluno/a, problematiza o objeto a ser estudado e reelabora as informações, produzindo o conhecimento. Essa iniciativa estimula uma consciência histórica crítica-genética para que possam compreender aquilo que lhes é dito através de qualquer mídia.

Conforme Jaskiu (2014), nem sempre o trabalho com outras fontes em sala de aula é bem aceito pelos/as alunos/as. Isso se deve ao fato de que eles/as estão acostumados/as a um modelo de aula em que a reprodução de conteúdos é constante. É preciso rever esse conceito de aula levando-os/as a perceber que programas de TV, músicas, charges ou jornais selecionados, não significam apenas diversão, mas estão articulados a um conteúdo.

O jornal, seja ele impresso ou digital, é uma estratégia interessante para aproximar aquilo que se discute na escola do que é vivido pela sociedade. Para utilizá-lo em sala de aula é preciso problematizá-lo ou será apenas mais um recurso didático. Segundo Kátia Abud, os jornais, quando narram fatos, contribuem com a História ao serem convertidos em documentos pelo/a historiador/a.

De fato, todas as publicações jornalísticas, sejam programas de rádio ou televisão, revistas, sites informativos, jornais eletrônicos ou impressos são mediadores entre a escola e o mundo externo e ajudam os estudantes a relacionar seus conhecimentos e experiências pessoais com as notícias. Esse processo auxilia na formação de novos conhecimentos e conceitos, na ampliação do pensamento crítico do estudante e, consequentemente, de suas 'leituras' do mundo. (ABUD, 2010, p.29)

Ao usar jornais como fonte para a produção do saber escolar é necessário "situar a produção jornalística em seu tempo e espaço, como forma de compreender suas relações com os fenômenos sociais." (ABUD, 2010, p.31) Um texto jornalístico, assim como qualquer outra narrativa, não pode ter um status de verdade absoluta, mas como um "testemunho histórico", assim definido por Kátia Abud. Uma boa alternativa é comparar uma mesma notícia veiculada em vários jornais e analisar as outras versões dadas ao fato ou mesmo a não divulgação de um acontecimento. É preciso considerar o contexto no qual foi produzido, pois todo texto carrega representações sociais de seu autor/a e/ou do grupo que ele/a representa. Importa também lembrar que nenhum/a leitor/a é neutro/a, uma vez que "ele também traz para a leitura do jornal ou de qualquer outro veículo de comunicação suas experiências e visões de mundo, o que o faz interpretar o que lê, reconstruindo conceitos e concepções". (ABUD, 2010, p.31) Portanto, é necessário problematizar desde o formato do jornal até o público ao qual se destina.

Outro dado interessante a ser levado em consideração quando se utiliza o jornal como fonte é em relação à tiragem, ao preço, formas de venda e distribuição, pois através deles é possível perceber a penetração das informações na sociedade. Utilizar jornais em sala de aula exige, além da escolha de um eixo temático, a definição de períodos e publicações a serem pesquisados. Também é importante explicar aos/as alunos/as alguns elementos básicos que compõem os jornais, como as diferenças entre os tipos de textos - reportagens, artigos, comentários, crônicas, entre outros - anúncios, legendas e fotografias. (ABUD, 2010, p.31)

Na obra "Como usar o jornal em sala de aula", Maria Alice de Oliveira Faria aponta a importância desta fonte para a formação do cidadão enquanto leitor crítico e na formação geral do/a estudante, desenvolvendo sua cultura e linguagem escrita. Ela ressalta ainda que tanto jornalista quanto leitor "desconstrói e reconstrói a notícia" de acordo com suas representações de mundo. É papel do/a professor/a levar os/as alunos/as a questionar essa fonte, interpretando o que leem, ouvem ou veem.

(...) conhecer a postura ideológica do jornal, a seleção que faz da informação e a linguagem que usa para transmiti-la; confrontá-lo com outros jornais e não deixar de lado, também, a postura crítica do próprio leitor, que no caso da escola deve estar sendo continuamente desenvolvida. (FARIA, 2011, p.17)

De fato, jornais e revistas são empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (LUCA, 2010, p.140)
Tendo em vista o processo de criação do jornal, Tania Regina de Luca apresenta algumas dicas para o trabalho com essa fonte tais como: identificar colaboradores e fontes de receita, caracterizar o grupo responsável pela publicação e atentar para a materialidade (periodicidade, uso/ausência de iconografia e publicidade). É preciso uma leitura para além do texto!

O uso de fontes para a produção de conhecimento histórico na Educação Básica não visa formar pequenos/as historiadores/as, mas leva-los/as a perceber que esses conhecimentos não existem de forma acabada, são narrativas construídas de acordo com vários procedimentos.

Assim, a História concebida como processo, busca aprimorar o exercício da problematização da vida social, como ponto de partida para a investigação produtiva e criativa, buscando identificar as relações sociais de grupos locais, regionais, nacionais e de outros povos; perceber as diferenças e semelhanças, os conflitos/contradições e as solidariedades, igualdades e desigualdades existentes nas sociedades; comparar problemáticas atuais e de outros momentos, posicionar-se de forma crítica no seu presente e buscar as relações possíveis com o passado. (BEZERRA, 2010, P.44)

Isso não significa esvaziar as disciplina escolar de conteúdos substantivos, nem basear-se apenas na atualidade fazendo projeções do presente no passado, pois isso seria anacronismo, mas levar os/as estudantes a perceber que esses conhecimentos foram construídos e que carregam uma intencionalidade. Se as aulas de História derem conta desse quesito, possivelmente os/as alunos/as saberão utilizar as informações repassadas por qualquer veículo para orientar sua vida prática.

Referências

ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso.  Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
BARCA, Isabel. "Aula Oficina: do Projeto à Avaliação". In: Para uma educação de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho, 2004, p. 131 - 144.
BEZERRA, Holien Gonçalves. "Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010.
BITTENCOURT, Circe.  Ensino de História: fundamentos e métodos. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.
FARIA, Maria Alice de Oliveira.  Como usar o jornal na sala de aula. 11 ed. São Paulo: Contexto, 2011.
JASKIU, Janaína. "Construindo representações de gênero no cotidiano escolar". In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense: produção didático-pedagógica, 2012. Curitiba: SEED/PR., 2014. V.2. (Cadernos PDE). Disponível em:
LUCA, Tania Regina de.  "História dos, nos e por meio dos periódicos". In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 2 ed. 2 reimp. São Paulo: Contexto, 2010.
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (orgs).  Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
THEODORO, Janice. "Educação para um mundo em transformação". In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2010.



8 comentários:

  1. Atualmente temos uma grande discurssão em relação as particularidade do local no Ensino de História, a imprensa é um fonte rica para perceber essas particularidades. Você acha que há dificuldade ainda no uso da imprensa por parte dos professores? se sim, quais seriam essas dificuldades enfrentadas?
    att.
    Gustavo Moura

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Gustavo!
      Creio que uma aprendizagem efetiva ocorra quando faz sentido para os/as estudantes. Aproximar a “História” com a realidade local dos/as alunos/as é essencial. O trabalho com materiais produzidos pela imprensa é uma ferramenta muito boa para isso. No entanto, percebo que é uma fonte pouco utilizada em sala de aula, por vezes se dá através da discussão de um evento que tenha repercussão naquele momento ou como um recurso didático.
      Utilizar o jornal como fonte para o ensino de história requer que seja tratado como tal. É preciso uma aproximação maior com a teoria para problematizar o discurso que se faz presente seja numa mídia impressa ou digital. Esse processo requer mais tempo de planejamento e incentivo para que os/as professores/as busquem novas possibilidades.

      Abraços,

      Janaína

      Excluir
  2. Olá Janaína! Tudo bem? Lembro que já li um texto seu no Simpósio anterior, e você trabalhava com outra fonte, ainda menos usual no ensino de História (os programas de TV) e questionei sobre a utilização de desenhos animados em sala de aula. Você coloca nesse texto a possibilidade de trabalhar vários jornais sobre um único fato ( as várias nuances dos discursos). Será que poderíamos aliar o trabalho com jornais impressos ou digitais com telejornais, mesmo sendo linguagens diferenciadas? Poderia relatar uma experiência com o uso de jornais em sala de aula? (Rodrigo dos Santos - UNICENTRO- digao_santos9@hotmail.com)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Rodrigo!
      Sempre que “ousamos” usar uma fonte para o ensino de História é preciso problematizá-la como tal ou corremos o risco de utilizá-la com um recurso didático. Ao usarmos o jornal, seja através de qualquer mídia, precisamos considerar o emissor, a mensagem e o receptor. Penso que é possível trabalhar com telejornais e jornais impressos, analisando os discursos presentes acerca de um mesmo evento. Porém, é importante atentar para o uso do “visual” que a TV apresenta e como a edição pode alterar o conteúdo.
      Já usei o jornal em sala de aula, por vezes como recurso didático e outras como fonte. Numa das atividades a proposta foi como a imprensa apresentou os “100 anos da Guerra do Contestado” e a partir dessa análise foi possível identificar os personagens que foram “consagrados” e os motivos disso. Outra atividade que julgo interessante foi a análise de dois textos publicados sobre a presença da mulher no Ensino Superior, um deles quando da implantação da FAFIG em Guarapuava e outro dos dias atuais.
      Abraços,
      Janaína

      Excluir
  3. No quarto parágrafo de seu texto, utiliza-se o termo problemática, isso incide em levantar perguntas aos alunos para que a aula possa tornar-se um diálogo e não um monólogo. Pois bem, o fazer perguntas, levantar problemáticas é um excelente instrumento de aprendizado, no entanto, é fundamental saber identificar os limites de utilização desse recurso em classe. Mas a sala de aula é heterogenia, logo em sua opinião, qual seria este limite ao diálogo, sala, ao analisar uma fonte, onde os estudantes possuem instruções diferenciadas? Elvis Rogerio Paes.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Elvis!
      De fato trabalhamos com a diversidade muito grande em sala de aula, principalmente em instituições situadas em regiões centrais. Não vejo a heterogeneidade como um problema, mas como uma forma de problematizar um conteúdo. É preciso considerar os conhecimentos prévios que os/as estudantes tem sobre qualquer temática. Com um público heterogêneo o trabalho é maior e requer mais trabalho do/a professor/a. Numa aula dialógica o conhecimento é construído na medida em que aquilo que já se sabia é ressignificado, ou seja, passar a ter sentido a partir do conhecimento científico.
      Abraços
      Janaína

      Excluir
  4. Olá Janaína.


    Legal o comentário acerca da “rapidez da informação”. Acho que nada hoje é mais presente em nossas vidas do que isso. No entanto, esta condicionante e sua relação com o “ensino de História” em sala de aula pode nos envolver em alguns problemas, talvez bem caros à docência. Na verdade, me parece um problema bem complexo a ser tratado tanto teoricamente quanto na práxis, em nossa relação professor-aluno. Como pensar o papel do jornal, não apenas como fonte, mas em sua relação com a “rapidez da informação” tão disseminada hoje pela internet?

    Att
    Elizabeth P. A. Fonseca

    ResponderExcluir
  5. Olá Elizabeth!
    Existem ainda muitos questionamentos sobre a História do Tempo Presente e alguns dizem que isso é um problema da sociologia. No entanto, é urgente que nossos/as alunos/as aprendam a “ler” o mundo em que vivem. Uma das formas seria que questionassem as informações que consomem e não apenas as reproduzissem. Julgo que o trabalho com o jornal possibilita isso: que percebam que as notícias são construídas e veiculadas de forma diferente de acordo com os interesses do grupo que comanda a publicação. Perguntas interessantes seriam: “por que nesse dia esse fato foi destaque?” ; “qual a razão de tal evento não ter divulgação?”. Assim, identificariam que mesmo com as informações tendo acesso rápido, elas são passíveis de manipulação.
    Abraços
    Janaína

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.