HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NA ERA
VARGAS
Evelyn Rodrigues de Souza
Para analisar a forma
como se aplica o ensino de História no Brasil é importante que se conheça a sua
trajetória, uma vez que de acordo com as necessidades da época são selecionadas
as prioridades no currículo de História. A delimitação sobre a Era Vargas
carrega um papel importante por abarcar o início de medidas estatais acerca do
ensino no país, como a menção sobre a educação na Constituição e a criação de
um Ministério própria a ela.
O Golpe de 1930 onde
Getúlio Vargas subiu ao poder foi um marco de ruptura com a política vigente
até o momento: a política do Café com Leite. Após a Grande Depressão ocorrida
em 1929, o Brasil começou a ter problemas com a economia, a taxa de desemprego
subiu, era portanto necessário fazer mudanças no sentido de reverter a
situação.
Vargas criou o
Ministério da Educação e Saúde Pública no Brasil em novembro de 1930, liderado
por Francisco Campos, que permaneceu no cargo até 1932 sendo substituído por
Gustavo Capanema, o qual exerceu o serviço até 1945. As reformas feitas tinham
o intuito de elaborar a delimitação de conteúdos e a especificação do tempo nas
instituições de ensino. Procurava-se, assim, unificar o ensino do país, na
maneira do possível, uma vez que se sabe que as práticas e as especificidades
da escola criam um ambiente para que o ensino seja propício para aquele local e
aquele momento, criando sua própria cultura escolar.
Getúlio Vargas possuía
a intenção de preparar intelectualmente a elite, para isso preocupou-se
consideravelmente com o ensino secundário e superior. Na questão do ensino
superior criou universidades que se dedicariam ao ensino e à pesquisa,
estabelecendo um maior rigor para adentrar à universidade como se observa no
trecho a seguir: "A reforma Campos estabeleceu definitivamente um
currículo seriado, o ensino em dois ciclos, a frequência obrigatória, a
exigência de diploma de nível secundário para ingresso no ensino
superior." (Fausto, 2013, p.288), determinou-se também uma maior instrução
para a formação de professores de ensino primário.
É interessante
ressaltar também que a Constituição de 1934, pela primeira vez, inclui um
tópico onde estabelece a educação como direito de todos e a obrigatoriedade do
ensino primário, direitos estes estabelecidos como obrigação do Estado. Boris Fausto (2013, p.289)
observa uma mobilização da sociedade ao se discutir as reformas educacionais. A
Igreja enfatizava o papel da escola privada e procurava incentivar o ensino
religioso na esfera pública e privada, além de um ensino diferenciado de acordo
com o sexo. O ponto de vista dos liberais foi expresso no Manifesto dos
Pioneiros em 1932, constituído por um grupo de intelectuais, entre educadores e
atuantes da mídia, onde reivindicavam determinadas propostas, afastando-se do
sistema educacional tradicional defendendo o ensino público, gratuito e sem
distinção de sexo, além do corte do ensino religioso nas escolas públicas,
ficando restringida às escolas particulares mantidas pelas instituições
religiosas. Para Vidal (2013, p.586), o Manifesto dos Pioneiros se constituiu
como o marco fundador dos debates sobre a educação brasileira.
Para o ensino de
História haviam os objetivos específicos sobre a formação da identidade
cultural e política do Brasil, discutidas desde o fim do século XIX, com a
abolição da escravidão e a implantação do regime republicano. Ao historiador marxista Eric
Hobsbawn (2013, p.18) "a história é a matéria-prima para as ideologias
nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas" onde "o passado é um
elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias". A
História, portanto, é o caminho pelo qual se buscam as "raízes", as
familiaridades que tornam grupos distintos unidos por determinados fatores considerados
nacionais.
Para se compreender
melhor a questão racial no Brasil e sua concepção no âmbito escolar é
necessário investigar as teorias intelectuais sobre o mesmo até a terceira
década do século XX. Pode-se
iniciar observando os escritos literários de Sílvio Romero, Nina Rodrigues e
Euclides da Cunha, que de acordo com Roberto Ventura (2000, p.332)
"consideravam o Brasil como uma nação multiétnica ou uma 'sociedade de
raças cruzadas'".
Sílvio Romero
observando a mestiçagem de três raças, termo utilizado pelo autor, acreditava
que, baseado na teoria evolucionista, fundamentado nos escritos de Charles
Darwin e utilizado para justificar ideologicamente o racismo cientifico, com a
miscigenação a predominância do elemento branco, por sua superioridade evolutiva,
se sobrepujaria em relação às outras, tornando-se portanto questão de tempo até
que toda a sociedade brasileira se embranquecesse.
O médico e antropólogo
Nina Rodrigues partindo "dos métodos da frenologia e da
antropometria,(...) que determinavam a capacidade humana a partir do tamanho e
da proporção do cérebro dos diferentes povos" (VENTURA, 2000, p.346) temia
o futuro do país por ocasião da diversidade de povos não-brancos, levando a
acreditar que era necessário delimitar os direitos de cidadania de boa parte da
população brasileira.
Euclides da Cunha
escreveu Os sertões em 1902, onde demonstra o embate entre diferentes
mestiçagens brasileiras. Analisando a Guerra de Canudos a partir da concepção
de Nina Rodrigues, considerava o sertanejo como a miscigenação entre brancos e
índios, contra os mestiços do litoral, que eram a mistura de brancos e negros.
Em sua análise valorizou o mestiço do sertão, pela ausência de componentes
africanos e seu maior isolamento no interior do país.
Assim, ao se
constituir a participação de índios e negros na formação do Estado Nacional,
percebe-se o motivo de serem considerados a partir de uma perspectiva
secundária, cada qual exposto de acordo com os ideais que a elite queria
apresentar acerca dos mesmos na época.
Os índios eram vistos
pela concepção romancista elaborados a partir das obras literárias de José de
Alencar e Gonçalves Dias, expondo os indígenas pelo caráter formado do
"bom selvagem", relatando-os sempre no passado, ignorando sua situação
atual e sua participação como integrantes da nação brasileira, sendo
caracterizados apenas como ancestral que formou o brasileiro atual.
Enquanto que para a formação da
sociedade ao negro, os livros dedicavam pouco espaço como objeto de Etnografia/Antropologia.
Ele sempre era tratado como mercadoria, produtor
de outras mercadorias. Enquanto
ao índio se conferia o estatuto de contribuição racial, os livros didáticos
salientavam a importância do africano para a vida econômica do país, mas procuravam
mostrar que a negritude estava sendo diluída pela miscigenação. (ABUD, 1998,
p.5)
Essa perspectiva
educacional acerca desses grupos pouco mudaram com o passar das décadas no
Brasil, transmitindo o mito da democracia racial, constituída e difundida a
partir da publicação Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre em 1933, que
criou "o mestiço como elemento de mediação entre os dois mundos, capaz de
reduzir e amortecer as tensões sociais e os antagonismos culturais"
(VENTURA, 2000, p.358).
A partir de
manifestações foi discutido e aprovado a elaboração de temas nos currículos
escolares sobre as contribuições culturais, históricas e sociais das populações
afro-brasileiras e indígenas nas leis 10.639/03 que determina a obrigatoriedade
do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e a lei 11.645/08 que torna
obrigatório o estudo da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena. Nesse
sentido se dá a importância de se estudar o passado do currículo de história e
suas mudanças, pensando o contexto atual e reavaliando temáticas e propostas de
se articular o ensino de História.
Referências
ABUD, Katia Maria.
Formação da Alma e do Caráter Nacional: Ensino de História na Era Vargas. Rev. bras. Hist. v. 18 n. 36. São
Paulo, 1998.
BRITO, Silvia Helena
Andrade de. A Educação no projeto
nacionalista do primeiro governo Vargas (1930-1945). Campinas: Grupo de
estudos UNICAMP, 2006.
FAUSTO, Boris. História do Brasil; colaboração
de Sérgio Fausto. 14 ed. atual. e ampl., 1reimp. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2013.
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. Tradução Cid Kinipel
Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
MORAES, Maria Célia
Marcondes de. Educação e Política nos
Anos 30: a presença de Francisco Campos. R. bras. Est. pedag., Brasília,
v.73, n. 17-4, p.291-321, maio/ago. 1992
MOSER, Giancarlo. História da Educação. 2 ed. Indaial:
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SCHMIDT, Maria
Auxiliadora Moreira dos Santos. História do Ensino de História no Brasil: uma
proposta de periodização. Revista
História da Educação - RHE.Porto Alegre , v. 16 , n. 37 , Maio/ago. 2012 ,
p. 73-91.
VENTURA, Roberto. Um
Brasil mestiço: raça e cultura na passagem da monarquia à república. In: MOTA,
Carlos Guilherme. Viagem incompleta. A
experiência brasileira (1500-2000) Formação: histórias. São Paulo: Ed. do
SENAC, 2000.
VIDAL, Diana
Gonçalves. 80 anos do Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova: questões para debate. Educ. Pesqui., São Paulo,
v. 39, n. 3, p. 577-588, jul./set. 2013.
Boa noite, Evelyn
ResponderExcluirAchei importante a retomada deste tema em especial: a "Era Vargas", principalmente por que caímos em vários modelos explicativos, um dos mais maléficos é aquele que tenta "julgar" o passado avaliando as ações com os olhos presentes... Mas, vamos a pergunta: como sabes a instituição do Ministério da Educação e Saúde em 1930 foi importante pois relevou as pastas antes delegada ao ministério do interior, na conjuntura do período qual a relação entre educação e saúde enquanto políticas públicas? Outra: quais as principais diferenças das reformas do período a Reforma Francisco Campos, do ensino secundário e superior, e a ampla Reforma Capanema, através das leis orgânicas do ensino?
Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg
Boa tarde Valter,
ExcluirGostei da pergunta sobre a relação entre saúde e educação, é um bom tema de pesquisa porque não achei nada sobre. Quanto a pergunta sobre as diferenças da Reformas Francisco Campos e a Reforma Capanema: a Reforma Francisco Campos de 1931 foi a primeira a institucionalizar o ensino secundário no Brasil, até o momento haviam escolas secundárias, porém não era obrigatória sua conclusão para inserir-se no ensino superior até este momento. A Reforma Capanema de 1942, foi a sequência de reformas que reorganizaram o ensino, delimitando os objetivos gerais específicos de cada nível de conhecimento, fazendo também uma maior separação dos níveis: secundário, comercial (técnico) e superior.
Evelyn Rodrigues de Souza
Boa tarde, Evelyn
ExcluirEstou apenas criando hipóteses talvez possamos dialogar: seria o pensamento educacional higienista das primeiras décadas do século XX o fator de aproximação das políticas públicas que culminaram na organização da pasta?
Ass. Valter Andre Jonathan Osvaldo Abbeg
Olá Evellyn, muito interessante o seu tema. Segue a minha pergunta: A constituição de 1934 apresenta a obrigatoriedade do ensino primário como item constitucional porém, a constituição de 1891 deixava essa atribuição com os estados e alguns deles como a Bahia tornava por meio da constituição estadual a obrigatoriedade e responsabilidade por parte dos municípios. Você considera que a obrigatoriedade em 1934 foi fruto das dificuldades enfrentadas pela educação anterior à década de 30?
ResponderExcluirFABIANO MOREIRA DA SILVA
Boa tarde Fabiano,
ExcluirComo você observou em alguns locais o estado tinha a obrigatoriedade e a responsabilidade do ensino primário, porém ainda não havia a obrigatoriedade de o aluno se matricular nesse nível de ensino. Acredito que a Reforma se deu não somente fruto das dificuldades, mas pelo caráter de constante mudança da educação, visando sua melhoria. No livro da Rosa Fátima Martins “Alicerces da pátria: História primária no Estado de São Paulo(1890-1976)”, ela expõe que em 1892 um professor envia um relatório ao Conselho de Instrução pública do município de Cunha exigindo mudanças educacionais: aumento do salário de professores, obrigatoriedade escolar, fiscalização técnica e divisão de ensino por faixa etária, ou seja, as reformas educacionais foram e são feitas a partir das manifestações dos agentes da escola, colaborando para as mudanças necessárias.
Evelyn Rodrigues de Souza
Boa noite Evellyn, muito relevante seu texto, gosto muito de estudar Brasil República, principalmente a Era Vargas, na era Vargas percebemos grandes avanços para a democratização do ensino. Entretanto gostaria de saber o objetivo político, econômico e social da reforma de Gustavo Capanema através das lei orgânica de ensino?
ResponderExcluiratt, Ronilson
Boa tarde Ronilson,
ExcluirO objetivo político, econômico e social da Reforma Capanema foi dividir os ensino para as diferentes camadas da sociedade, o ensino secundário voltado para as elites possuía o objetivo de instruir os indivíduos condutores da sociedade a partir de um currículo voltado às humanidades e às exigências da sociedade, enquanto que para os outros segmentos foram institucionalizados os ensinos técnico e administrativo. É interessante ressaltar também que a conclusão do ensino secundário possibilitava a inserção no ensino superior, enquanto que o ensino técnico habilitava apenas ao mercado de trabalho.
Evelyn Rodrigues de Souza
Bom dia, fico inquieta quando leio que foi criado educação para elite e em seguida decorre que foi focado ao ensino secundário e universitário e dedicado a pesquisa que tanta falta faz hoje a nossa educação continuada. Me parece uma incoerência porque para chegar ao ensino secundário o primário deveria estar concluído. O assunto aqui proposto é muito importante, conhecer nosso passado. A reforma educacional proposta na época de ensino igualitário a todos estados brasileiros foi alcançado? e se sim, quando isso foi perdido já que as metas atuais do MEC são exatamente estas?
ResponderExcluirObrigada
Ione Schmidt, estudante de Licenciatura em História a distãncia, Furg .
Sapiranga – RS B- Brasil
Boa tarde Ione,
ExcluirA reforma de ensino igualitária da época está inserida no sentido de que alunos de mesma faixa etária estariam estudando os mesmo conteúdos, independente da escola, possibilitando assim que um aluno que mudasse de escola tivesse os mesmos conhecimentos acumulados, estabelecendo um currículo comum a toda a nação. Porém, sabemos que se tratando da educação brasileira ainda não é possível falar de educação igualitária, uma vez que as estruturas físicas são diferentes, o que influencia em diferentes transposições e apreenssões de ensino. Enquanto algumas escolas do país possuem avançados aparelhos eletrônicos, outras possuem dificuldades de aquisição de livros didáticos, lousa ou mesmo cadeiras. Os problemas da estrutura física não param por aí: atualmente há casos de alguns municípios do Amazonas fecharem as escolas e programarem seu ano letivo em tempo diferente do adotado nacionalmente por conta da estiagem do rio Amazonas, uma vez que o rio é utilizado para a locomoção dos alunos até a intituição de ensino. Fica a nosso dever como professores estimular as mudanças educacionais e a manifestar as necessidades escolares.
Evelyn Rodrigues de Souza
Tema bastante interessante,tendo em vista o quadro no qual Getúlio Vargas governou o país pode-se considerar diante as suas mudanças em termos gerais (educacionais,politica,econômica,sociais e etc),que Vargas recebe o titulo do principal politico que a história brasileira obteve ?
ResponderExcluirJéssica Monteiro, estudante de Licenciatura em História. Paraíba,Brasil.
Boa tarde Jessica,
ExcluirAcredito que são vários os personagens de destaque na História do Brasil, cada qual com suas qualidades e defeitos e não cabe a mim elegê-lo como o principal político, uma vez que cada um teve sua importância no seu contexto histórico.
Evelyn Rodigues de Souza
Olá, profa. Evelyn.
ResponderExcluirseu texto utiliza o termo "golpe" para o evento de 1930. E para o evento de 1932, utilizaria "revolução" de 1932 ou "revolta" de 1932?
Carlos Corrêa.
Boa tarde Carlos,
ExcluirPor utilizar o referencial teórico do Bóris Fausto utilizaria “revolução”.
Evelyn Rodrigues de Souza
A educação obrigatória e gratuita só é mencionada na constituição de 1932, as constituições anteriores (1824 e 1891) regulamentavam a educação no Brasil, mas não traziam maiores detalhes quanto a permanência do aluno na escola. Obviamente que os menos afortunados não concluíam os estudos ou nem mesmo chegavam a frequentar uma escola. Boa parte desses indivíduos, eram os negros, que sofriam com a sequela de séculos de exploração da mão de obra escrava. Poderíamos dizer que as teorias evolucionistas e etnocêntricas difundidas no final do século XIX, leis que excluíam indiretamente a parcela mais carente da sociedade, contribuíram para o desnível social presentes até hoje em nossa sociedade?
ResponderExcluirDebora Shizue Matias Takano
Boa tarde Débora,
ExcluirSim contribuiu para o desnível social, pois após a abolição da escravidão não houve qualquer tipo de política para integrar o negro na sociedade e essas teorias os faziam ser vistos com preconceitos.
Evelyn Rodrigues de Souza
Olá, tudo bem?
ResponderExcluirGostaria de saber, como o governo de Vargas recebeu o Manifesto do Pioneiros?
Arthur Jonatha Souza do Nascimento
Boa tarde Arthur,
ExcluirDe acordo com Boris Fausto eles não assumiram por inteiro e explicitamente as posições de uma das correntes apontadas, a liberal do Manifesto dos Pioneiros e a conservadora do ponto de vista da Igreja Católica, mas mostrou maior inclinação pela última.
Evelyn Rodigues de Souza
Oi Evelyn.
ResponderExcluirA era Vargas tem relevância singular no estudo da história do Brasil, afinal foi um período em que o Brasil viveu o autoritarismo e avançou na educação. Foi o primeiro governo a utilizar o cinema como instrumento pedagógico através do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). Gostaria de saber como você pensa a questão da exploração de imagens na educação durante a era Vargas.
Abraços,
Paulo Roberto de Azevedo Maia
Boa noite Paulo,
ExcluirAcho muito importante, hoje ainda vemos a importância dessas mídias na educação.
Evelyn Rodrigues de Souza