ESTÁGIO SUPERVISIONADO: UM NOVO OLHAR SOBRE
O BRASIL COLÔNIA ATRAVÉS DO ENSINO DE HISTÓRIA
Claucia Cristine Vladyka Maia
Estágio Supervisionado / TFES, assuntos que quando entramos para o mundo acadêmico sabemos que teremos que realizar, porém, a expectativa, a angustia estão presentes na hora de realiza-los. Nas linhas a seguir será explanado um pouco de minhas experiências vividas no campo de estágio.
Ao iniciar esse ano já
nas primeiras aulas já estava convicta do que gostaria de realizar, que seria
trabalhar com uma turma no EJA - Educação de Jovens e Adultos, pois me
proporcionaria uma nova experiência. Meu primeiro passo foi entrar em contato
com a professora Eliane Bughay do Centro Estadual de Educação Básica para
Jovens e Adultos - CEEBJA de União da Vitória/PR, que me recebeu de uma forma
muito acolhedora, me oportunizou trabalhar em sua turma, com o tema de minha monografia
que fala sobre a arte da cura no Brasil do século XVIII.
Com o tema em mãos cabe a nós selecionar dentre tantos assuntos o que vamos apresentar em nossas aulas e novamente indagações, dúvidas se fazem presente, pois afinal o papel aceita tudo, mas, na prática como isso funcionaria.
Quando soube que
poderia aplicar o tema de minha monografia intitulada "Entre Médicos e
Curandeiros: A Arte de Curar no Brasil do Século XVIII" fiquei feliz, mas
essa felicidade logo se transforma em apreensão, pois afinal, como apresentar
esse tema para a turma.
Dessa maneira me coloquei no lugar dos/as alunos/as e pensei, o que eu sei sobre como era viver no Brasil colônia, quem eram essas pessoas, como foi o contato dos povos que aqui se estabeleceram, e como seu convívio contribuiu para várias transformações dentro da sociedade colonial? Silva (2011, p. 77) apresenta que "nenhum outro lugar do mundo fundamentou suas bases sobre raízes portuguesas, indígenas e africanas", e partindo desses questionamentos passei a elaborar como seria melhor apresentar o tema para a turma, que instigasse novos questionamentos sobre "as verdades" que são apresentadas sobre o Brasil colônia.
Com esse objetivo minha primeira preocupação era apresentar os diversos sujeitos dentro da história, que na maioria das vezes são pouco abordados, optei em apresentar o lado humano, e também minha proposta era apresentar que as transformações que ocorreram na sociedade colonial ainda se fazem presentes em nossa sociedade, como vários costumes, tradições, enfim uma grande herança, possibilitando assim desenvolver nos/as alunos/as um pertencimento a história que está sendo apresentada, pois enfim, são as raízes da nossa história.
Com os assuntos definidos caberia agora saber como melhor apresenta-los para fazer sentido para a turma, e também para despertar o interesse e instigar a participação nas aulas. Minhas aulas foram pensadas e preparadas todas de forma expositiva dialógica, minha opção por essa técnica é porque acredito imensamente no diálogo como intercâmbio de conhecimentos e experiências para a reelaboração de novos conhecimentos, tornando-se cada vez mais críticos, independentes em sua maneira de agir e pensar, possibilitando tanto mudanças para si como para a sociedade.
Para a primeira aula resolvi trabalhar com a carta de Pero Vaz de Caminha, explanei sobre a mesma, sobre o que ela significava para a história do Brasil, apresentei ela na íntegra, porém, por se tratar de um documento muito grande, trabalhamos com trechos específicos, sempre debatendo sobre quem eram os verdadeiros ocupantes dessa terra, quebrando assim uma "verdade" que sempre é apresentada nos livros de que foram os portugueses que descobriram o Brasil, e também que somente nobres vieram para povoar essa nova terra, o que proporcionou grandes discussões em torno do documento e a quebra de vários estereótipos que são apresentados.
Com esse documento meu objetivo era apresentar para a turma como era a visão que os portugueses tiveram de nossa terra, como viram o índio, como o descreviam, o que falavam sobre a natureza e também como tentaram impor a sua fé e os seus costumes. Todos os trechos renderam várias discussões, o que fiquei muito satisfeita, ficaram impressionados em ver como descreveram os indígenas e qual era sua real intenção em relação a terra, falamos sobre as trocas de quinquilharias realizadas para conseguir conhecer cada vez mais a terra.
Após essas discussões, comecei a abordar com a turma como foi o convívio entre as pessoas que se faziam presentes no Brasil e suas relações, comecei apresentando sobre o escambo, forma que os portugueses utilizaram para conseguir a mão de obra indígena principalmente para a extração do pau-brasil. Apresentei sobre a importância da colonização para os portugueses para garantir a posse da terra que usurparam dos indígenas, e também abordei sobre todas as transformações que foram ocorrendo a partir dessa tomada de terra.
Quando comecei apresentar sobre a sociedade açucareira, a hierarquização social, a distinção do elemento humano se fez muito presente nas discussões, os indígenas, que já havíamos discutido um pouco, sobre sua mão de obra, sobre o escambo e também por meio de telas como de Debret, Spix & Martius discutimos sobre a escravidão indígena, mas como essa mão de obra foi ficando escassa, outra figura importante no contexto colonial se fez presente em nossas discussões, os africanos, ou "o negro". Comecei apresentando sobre a vinda deles, na tela "Negros no fundo do porão de navio" (Desenho: Johann Moritz Rugendas, 1835), discutimos como era sua resistência na África, para quebrar justamente com paradigmas apresentados por muito tempo sobre os africanos.
Trabalhei as formas de
castigo, parti da indagação de quais eram as formas de castigos que eles
conheciam a respeito dos escravos, e a descrição foi unanime, falando que era o
tronco, que é mais visto em filmes, novelas, etc. Foi ai que apresentei vários
instrumentos de torturas (através de imagens) como a máscara de flandres, que
era usada para punição de furto de alimentos, alcoolismo, ingestão de terra, na
mineração de diamantes, para impedir que os negros extraviassem as pedras,
engolindo-as. Os instrumentos de ferro de "castigos e penitências"
usados para punir, como algemas, palmatórias, gargalheiras (espécie de coleira
presa ao pescoço do cativo), apresentei o "bacalhau", chicote feito
com cabo de madeira e de cinco tiras de couro retorcidos ou com nós, utilizado
para açoitar, além é claro para acelerar o ritmo de trabalho.
Muitos ficaram
surpresos com a diversidade de formas de castigos falando que só conheciam o
tronco em si. Com esse novo olhar, trabalhei com eles/as com o texto
"Tortura de escravos e heresias na casa da torre" de Luiz Mott,
explanei sobre o texto, selecionei alguns dos castigos para proporcionar um
novo olhar sobre a escravidão e mostrar que os castigos eram aplicados a todos,
não importando o sexo nem mesmo a idade. Quando começamos a leitura do texto
pude perceber uma repulsa dos/as alunos/as ao que estava sendo apresentado,
anos, onde pingavam a cera de vela em seu ânus, e ainda o de Leandra de apenas
três, quatro anos de idade que colocou doce que estava sendo feito em um tacho
na palma de sua mão, toda a leitura foi cheia de discussões de como poderia
haver pessoas que faziam essas barbaridades com seres humanos, ficaram
indignados e perplexos com o que estava sendo apresentado.
Outra proposta foi
apresentar sobre as mulheres presentes na sociedade colonial tendo como base as
indígenas, as portuguesas e as negras, tendo como objetivo principal explicar
como eram suas vidas, como e para que eram criadas, apresentar sobre a
estrutura familiar patriarcal. Questionar o porquê da invisibilidade das
mulheres na história, apresentar como elas foram e são muito importantes na
formação das sociedades em geral, expondo que desde o início quando seus
maridos/companheiros saiam para "o mundo" quem ficava à frente da
casa, dos negócios eram justamente as mulheres, como hoje em dia ainda é muito
comum, mulheres que são as mantenedoras de suas casas.
Os temas que foram
apresentados até aqui serviram como base para estruturar a explanação sobre meu
tema de pesquisa, a arte da cura no Brasil colônia, como já tinham o
conhecimento de como era viver nessa sociedade comecei minha explicação.
Primeiramente comecei falando sobre o trabalho do historiador, sobre quando
escolhemos estudar sobre um determinado assunto, nossa pesquisa deve estar
embasada em fontes, e assim apresentei minha fonte de pesquisa o "Erário
Mineral", um tratado de medicina, que foi escrito em 1735 por Luís Gomes
Ferreira, português que veio para o Brasil em busca de fortuna fácil através da
febre da exploração do ouro.
No início fiquei com
medo do assunto não chamar atenção da turma, mas com o passar da apresentação
percebi que isso não aconteceu, eles/as questionavam, argumentavam tudo que
estava sendo apresentado, como por exemplo, o medo da morte, a doença como
castigo divino, o medo da mulher como bruxa/demônio, a Igreja e o Estado
querendo agir no domínio do corpo, e assim foram atribuindo a santos/ santas as
curas, além é claro a forma de diagnosticar as doenças que eram através da
observação e aplicação dos remédios eram experimentos que poderiam dar certo ou
não.
Quando comei a
trabalhar as receitas propriamente existentes no Erário Mineral, eles/as
ficaram ainda mais surpresos e também pode-se dizer que enojados, pois puderam
verificar que o receituário colonial incorporava tudo que estivesse
perto, e foi assim que a medicina e a magia se mesclaram, utilizando-se tanto
de propriedades da natureza do mundo sobrenatural além de elementos que jamais
poderia se imaginar, e assim perceberam que o Brasil colônia foi um laboratório
de experiências.
Em todos os temas
propostos e debatidos em sala os/as alunos/as fizeram atividades, produziram
textos, elaboraram charge, e também foi realizada no final do estágio uma
avaliação. Essa avaliação foi elaborada com a proposta de que os/as alunos/as
pudessem colocar seu entendimento aos temas propostos, pois acredito que essa é
a função do ensino de história, como Seffner (2000) argumenta em seu texto,
nossos/as alunos/as devem compreender para reconceituar o que esta sendo
colocado em debate, e é esse nosso papel como professores/as, auxiliar nessa
leitura do mundo, respeitando suas opiniões, e possibilitando assim uma
autonomia para expressar-se.
Como minha intenção
era proporcionar um novo olhar sobre o Brasil colônia, sobre nossa própria
história, os resultados foram muito bons, foi a questão relacionada ao texto de
Luiz Mott "Torturas de escravos e heresias na casa da torre", que
mais demonstrou o quanto foi importante para a formação de um novo conhecimento
histórico, como demonstra a resposta da Aluna "A".
A resposta da aluna em
questão permite perceber que meu objetivo em relação ao tema foi alcançado,
pois sua narrativa é muito claro, quando afirma que "eu tinha uma
visão" e "agora (...) pude aprender que vai além". Essa fala é
muito gratificante, saber que minha aula pode contribuir para a construção de
um novo saber, uma nova visão sobre um assunto que muito é debatido.
Quanto cheguei na
parte para verificar como foi o entendimento sobre a arte da cura, minha
intenção era abusar da criatividade deles/as, e foi assim que elaborei a
seguinte questão: Como vimos o período colonial foi uma experiência em relações
ao processo de cura, com a utilização de todos os elementos possíveis nas
receitas. Agora imagine que você é um agente de cura daquele período e escreva
a sua receita, use sua imaginação.
Quando li a presente
questão para eles/as, para explicar e lembrar um pouco do que havíamos visto,
as risadas foram muito espontâneas, e começou um alvoroço em torno da questão,
pois perceberão que poderiam escrever o que queriam.
Os/as alunos/as
abusaram de sua criatividade mesmo, elaboraram um receituário para os males que
talvez estejam presentes em seus dias, ou quem sabe, para evitar que o façam. A
receita do aluno "B" vem de encontro a um problema muito presente
para a vida dos estudantes, a amnésia:
O resultado dessa
avaliação me mostrou que cada aluno/a apreendeu sobre os temas propostos,
acredito que consegui cumprir o que tinha proposto fazer quanto aos objetivos
traçados para cada aula, com os resultados aqui apresentados vejo que maiores
foram os acertos do que os erros.
Referências
MOTT, Luiz. Bahia: Inquisição e Sociedade. Tortura de escravos e heresias na casa da torre. Salvador: EDUFBA, 2010. 294 p.
SEFFNER, Fernando.
Teoria, Metodologia e ensino de História. In: Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Editora
da Universidade/UFRGS, 2000, p. 257- 288.
SILVA, Camila Vieira
da. Magia e Feitiçaria na Colônia: A Originalidade das Práticas Sincréticas. Revista Historiador Número 04. Ano 04.
Dezembro de 2011.
Qual período específico do Brasil colônia foi abrodado? foi um ciclo ou foi o espaço temporal todo?
ResponderExcluirValdemar de Castro
Caro Valdemar, como pude trabalhar em meu estágio o tema de minha monografia que trata-se da arte da cura no Brasil colonia, e tratando-se de uma turma do EJA, optei em trabalhar as transformações que ocorreram no período colonial como um todo, "pontos chaves", para possibilitar um maior entendimento e conhecimento sobre as pessoas que faziam parte da sociedade colonial. E também para possibilitar uma nova visão sobre o período em questão sobre fatos que são muito apresentados nos livros didáticos.
ExcluirGrata por sua pergunta.
Claucia
Olá Claucia,
ResponderExcluirO seu trablaho despertou em mim a ansiedade em saber quais foram os desafios que teve que enfrentar no seu estágio?? Quais foram as reações dos alunos com as suas perguntas sobre o que conheciam sobre o período? E porque você usou o termo "enojados"? Como eles demonstravam isso??
Att,
Sarah Grasiele Machado.
Olá Sarah,
ExcluirO estágio sempre é um momento de angustia (creio que para a maioria), pois é chegada a hora de colocar em prática o que vemos em nossas aulas na universidade. O ano de 2015 para um 4º Ano não foi fácil, a greve instaurada foi um dos desafios que tive que superar em relação ao estágio, pois a coparticipação foi realizada antes dela e a aplicação do estágio ficou para depois.
Dessa maneira com a greve os desafios para abordar o tema com a turma de inicio não foi tão fácil, mas aos poucos fui apresentando e questionado sobre o que eles lembravam sobre as aulas da professora regente, pois em minha coparticipação ela trabalhou sobre os indígenas, e comecei daí a conversa inicial. Minha intenção com as aulas foi quebrar com estereótipos que são apresentados sobre o período colonial, e a aula sobre os castigos aplicados para os escravos foi uma das aulas que mais rendeu discussões.
Para essa aula além de imagens de instrumentos de castigo trabalhei com o texto “Tortura de escravos e heresias na casa da torre” de Luiz Mott, quando começamos a leitura do texto pude perceber uma repulsa dos/as alunos/as ao que estava sendo apresentado, principalmente no que se referia a crianças, como o caso de Manoel de seis ou oito anos: ” Que um menino de seis ou oito anos, chamado Manoel, filho de uma escrava chamada Rosaura, o mandou virar várias vezes, com o devido respeito, com a via de baixo para cima mandando o arreganhasse bem com as duas mãos nas nádegas, estando com a cabeça no chão e a bunda para o ar, estando neste mesmo tempo o dito Mestre de Campo Garcia D’Ávila Pereira Aragão com uma vela acesa nas mãos, e quando ajuntava bem cera derretida, a deitava e pingava dentro da via (ânus) do dito menino que com a dor do fogo, dava aquele pulo para o ar, acompanhado com um grito pela dor que padecia dos ditos pingos de cera quente derretida na via, sendo esta bastante. E disto rindo-se o dito Mestre de Campo, ao mesmo tempo com aquele regalo e alegria de queimar aquele cristão, o mandava que se fosse embora, dizendo: Ides para dentro de casa. (MOTT, 2010, p. 77)”
O termo “enojados” foi justamente pela reação de nojo de uma pessoa realizar tamanha crueldade com seus escravos, ficaram indignados em ver como eram tratados, pois a grande maioria dos/as alunos/as afirmaram que só sabiam que os homens e mulheres que sofriam castigos.
Posso afirmar que meu estágio foi uma bela experiência, que com as discussões em sala aprendi muito com eles/as, e acredito que contribui para um novo conhecimento.
Grata por sua pergunta.
Att.
Claucia Cristine
Boa tarde Claucia,
ResponderExcluirSeu relato de experiência aponta para resultados animadores na disseminação no conhecimento, e sinaliza também algumas das dificuldades que podemos encontrar em sala de aula.
As indagações sobre como se dará o nível de interesse dos alunos em nossas aulas são constantes. Nessa perspectiva, você considera que existam grandes diferenças em trabalhar com turmas do EJA no sentido do "ter interesse em aprender"? A abordagem deve ser diferente com relação ao ensino regular?
Att,
Cynthia Gabriela Lachman.
Olá Cynthia,
ExcluirPrimeiramente obrigada por sua pergunta, em relação ao “ter interesse em aprender” acredito que em todos os seguimentos de ensino essa é uma questão muito difícil, pois cada aluno/a possui interesses e aprendizagens diferentes.
A turma do EJA que trabalhei era formada apenas de jovens, dessa maneira, não tive a oportunidade de trabalhar com adultos em si, que era uma expectativa minha.
Acredito que o trabalho com as turmas do EJA necessitam de um cuidado ainda maior, para que os/as alunos/as se sintam cada vez mais motivados a continuar seus estudos.
Tive o privilégio de trabalhar em um estabelecimento e com uma professora que possuem uma visão revolucionária para a formação dos/as estudantes, preocupados com uma educação transformadora que acredito ser fundamental para todas as áreas de ensino.
Att,
Claucia Cristine.