Elois de Paula

LUZ, CÂMERA, AÇÃO... EXPERIÊNCIAS NA PRODUÇÃO DE DOCUMENTÁRIOS DENTRO DO PROJETO "CATADORES DA MARGEM ESQUERDA” EM UNIÃO DA VITÓRIA (2009-2011)

Elois Alexandre de Paula



Com aquela frase de Glauber Rocha: "Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", quero relatar aqui as experiências vividas durante o percurso do projeto "Catadores da Margem Esquerda: Coleta, sobrevivência e identidade no Médio Iguaçu no inicio do século XXI". Projeto desenvolvido pelo colegiado de História da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória/PR com incentivo do Programa Universidade Sem Fronteiras da SETI-PR, entre os anos de 2009 e 2011.

Venho aqui comentar de forma sintetizada a nossa trajetória durante o período em que trabalhamos no projeto "Catadores", e de como se produziram os diversos documentários e seus resultados. Outro ponto é comentar sobre os grandes e significativos aprendizados dentro da história e para a vida acadêmica e profissional.

Todo o trabalho realizado durante o período do projeto nos possibilitou reconhecer a dinâmica de vida e da história de diversos personagens chamados de "Catadores", localizados em grande parte na Margem esquerda do Rio Iguaçu de União da Vitória e  demais localidades da cidade. Tendo como metodologia a história oral  desses "catadores", transformando essas fontes em um trabalho cinematográfico.

A História oral, como comenta Alberti, (2006), busca a legitimidade como área da pesquisa historiográfica, a história dentro da história. O contexto da micro história aborda o discurso dos indivíduos ditos anônimos da História.     Portanto o projeto "Catadores da Margem Esquerda" veio ao encontro a essa proposta, criando o contexto da história local, em torno desses indivíduos e transformando-se em  diversos documentários, como explicaremos logo a seguir.

Criar documentário... Um aprendizado Diferenciado

O projeto desenvolvido pelo departamento de História da FAFIUV integrou a proposta do subprograma ‘Diálogos Culturais’ (ESTACHESKI, 2010). Inicialmente o projeto tinha duas propostas a serem apresentadas, a primeira era construir um documentário no contexto longa metragem, ou seja, a ideia central. E a segunda era a publicação de um livro com artigos que os integrantes do projeto produziriam, discutindo vários assuntos sobre a dinâmica de vida dos catadores.

Com relação aos integrantes que participaram do projeto, foi realizado no início 2009 um processo seletivo para se formar a equipe, em que foram selecionados os seguintes membros: (sem contar os coordenadores) Coordenadores: Jefferson William Gohl, Ilton Cesar Martins, na primeira fase e Everton Crema, na segunda fase. Orientadora: Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski. Recém formados: Fernando César Gohl Licenciatura em Relações Públicas - UNIUV, Itamara Cris Marchi Licenciatura em História - FAFIUV, José Roberto Corrêa Such - Licenciatura em História - FAFIUV. Graduandos em Licenciatura em História: Adelir Farias, Daniele Aparecida Moreira Bueno, Elois Alexandre de Paula, Júlio Cesar Jacinto, Karoline Fin e Marília Gabrielle Puff.

Com o início dos trabalhos em março de 2009,  realizou-se um trabalho de campo para se entender e buscar os relatos de vida e a identidade daqueles indivíduos, que muitas vezes eram rotulados pela vadiagem ou pela ideia de pessoas indesejáveis. Desde o princípio percebemos que muitos desses indivíduos tinham histórias muito significativas que tratavam de relatos que iam desde a sua forma de trabalho como catadores, mas também, de seu cotidiano, de seu âmbito familiar e as relações deles  com a sociedade.

Diante desse primeiro contato se traçou um pré-roteiro e uma ideia de como se construiria o documentário, mas, além disso, iniciamos as filmagens desses indivíduos realizando entrevistas com questões "determinadas" que pudessem transmitir a ideia e o pensamento desses indivíduos sobre a suas vidas.

Deste momento em diante a câmera entra em ação iniciando as tomadas e "captando" as mais diversas histórias que seriam aproveitadas em uma edição preliminar que foi a segunda fase do projeto que, proporcionando grandes experiências sobre a história desses "personagens".

Edição e Roteiro e a Criação dos Curtas

Como já comentado a proposta dos documentários era de relatar o cotidiano dos catadores. Mostrar ao público suas narrativas sobre a sociedade em que os mesmos estão inseridos, suas necessidades e a dinâmica da vida social e familiar, usando as fontes orais desses e as imagens que representam toda essa proposta no trabalho.

Portanto, tínhamos muito trabalho por parte da equipe de edição, de que participei, e sem muita experiência começamos a realizar as edições e sempre visando a proposta do projeto e seguindo o roteiro determinado. Começamos então a analisar demais documentários sobre o tema "Catadores", como por exemplo, ‘Ilha das Flores’ (1989), ‘Istamira’ (2006), trabalhos que serviram como suporte para o desenvolvimento dos documentários. A ideia de se apresentar a construção de identidades sobre esses grupos, seus pensamentos sobre o mundo, como comenta Silva (1996), teriam de ser apresentadas dentro das mídias e, portanto nos preocupamos em transmitir essa ideia tanto no roteiro, como na montagem e edições do documentário.

Como resultado conseguimos produzir bem mais que um documentário. Com a análise do material que tínhamos em mãos que foram mais de cem horas de filmagens conseguimos ir muito além da proposta. Com relatos diversificados e personagens que chamaram a atenção pelo contexto de suas histórias, produzimos mais três curtas, sendo eles, Zé da Viola, (2010), Dona Zenilda (2010) e Dagoberto (2010).

O curta ‘Zé da Viola’ apresenta a História de um senhor, coletor de material reciclável, residente no Bairro Ponte Nova, que além de sua atividade com material reciclável, também trabalha com materiais em madeira, em sua modesta carpintaria em sua residência. Suas principais criações são instrumentos de corda, violões e violas, assim como o trabalho de conserto dos mesmos. Um grande artífice na carpintaria, e nas horas de lazer usa seus dons musicais para compor músicas em sua viola preferida. Recitando sempre seus versos sobre a vida cabocla, o mesmo comenta sobre a sua trajetória de vida e também sobre a sua participação em rádios locais, em que se apresentava com sua viola e seus versos.

O curta ‘Dona Zenilda’ é uma história que aborda o drama de uma senhora que mora na ribeirinha do Rio Iguaçu, e que como consequência natural, ocorreu uma cheia no período da filmagem e em visita ao local a equipe abordou esta senhora e sua família numa situação calamitosa em que sua residência estava inundada. Sem ter aonde ir, e com perca de seus bens, o drama  desta senhora e seus relatos, são exemplos que se repetem nessas regiões da cidade de União da Vitória. Historicamente o problema das cheias na cidade atinge essa parte da população, muitas vezes desassistida pelo poder público, e que sofre muitas vezes discriminação por parte da sociedade. Esses relatos são enfatizados por Dona Zenilda nesse documentário.

O longa ‘Catadores da margem esquerda’ foi o último trabalho a ser realizado pela equipe. O filme com a duração de mais de duas horas teve a participação de todos os atores dos curtas, e também de outros atores que tiveram suas imagens e discursos apresentados no trabalho. Personagens daqui de União da Vitória e também de Bituruna-PR, que também teve a participação de trabalhadores de uma cooperativa de material reciclável. Além de empresários do ramo de reciclagem, os demais catadores, de cooperativa ou não, tiveram suas vozes e suas imagens dentro deste trabalho, com suas críticas, necessidades e suas histórias de vida e trabalho. Tendo assim atingido a proposta central do nosso projeto.

Dagoberto: Uma Surpresa?

Com certeza o documentário Dagoberto foi surpreendente pela repercussão para a equipe de projeto. Graças a experiência adquirida no percurso do projeto, principalmente a nossa equipe de edição, tivemos a ideia de elaborar o curta Dagoberto em 2010. A dinâmica do processo de edição foi baseada em roteiro priorizando as falas do ‘ator’ Dagoberto, juntamente com as imagens de seu trabalho no seu cotidiano.

Dagoberto, morador do bairro São Cristóvão é um catador de material reciclável com uma dinâmica de trabalho diferenciada. Com sua bicicleta acorrentada a um carrinho ele percorre um longo caminho desde o bairro até a área central de União Da Vitória, passando pela ponte férrea do município com sua carga de material.

A equipe de filmagem passou um dia acompanhando o trabalho deste senhor pelas ruas da cidade e realizando as tomadas de imagens de toda a trajetória de seu trabalho e de sua casa, na qual existe uma organização diferenciada desses materiais e da forma de como ele negocia esses materiais com empresas da cidade. De toda a forma, a maneira de vida de Dagoberto e seu discurso, sua vida e seu trabalho foi um material áudio visual muito bem elaborado pela nossa equipe de edição, graças as imagens que nós realizamos e um tratamento especial na montagem do curta.

Esse trabalho diferenciado surtiu resultados satisfatórios. ‘Dagoberto’ participou em eventos de cinema concorrendo em amostras internacionais juntamente com o documentário Zé da Viola, em 2010. Além de evento no nível estadual realizado em União da Vitória e em evento nacional realizado em São Paulo, em 2011.

O curta "Dagoberto" (2010) foi nossa grande pérola do projeto, pois até mesmo nos dias atuais é bem aceito pela opinião pública e por profissionais da área e da região, rendendo elogios pela forma de como esse trabalho foi produzido. Não tem como não comentar que Dagoberto foi uma surpresa para mim e a toda equipe do projeto.

A Importância do Projeto: O Conhecimento do Fazer História

A dimensão que o projeto Catadores da Margem Esquerda atingiu para nossa formação acadêmica é inquestionável a sua abrangência. Quero apontar primeiramente o desenvolvimento técnico profissional que obtive com a questão de edição de vídeos. Desde o início, graças a ajuda dos coordenadores do projeto e de meu amigo de trabalho Fernando Gohl, despertei o interesse pela edição e filmagem de vídeos em que me desdobrei por horas em frente a ilha de edição para editar as imagens que nos chegavam, para que o trabalho se concluísse em tempo hábil.

Ainda com relação à edição, meu empenho foi sempre acima do que foi proposto, porque meu interesse pelo trabalho e pela própria edição me despertou interesse em aprender sobre os fundamentos de edição. Com isso fomos chamados por várias vezes para realizar trabalhos para a FAFIUV, no período do projeto, em que realizei e realizo inúmeros trabalhos para a instituição entre vídeos institucionais documentários e demais outros vídeos que não temos espaço para mencionar. Destaco aqui o documentário "50 anos de história -uma fábrica de ideias”, em que tive a ideia de realizar um documentário estilo "media" sobre os 50 anos do curso que estava completando nos anos 2010 e 2011. Com a ajuda da equipe foram gravados vários depoimentos de ex-professores  sobre o curso, usando imagens históricas sobre o curso de história na FAFI. O resultado então foi significativo e marcou a data alusiva do curso de história da FAFIUV.

Com relação ao aprendizado histórico foi também muito gratificante o trabalho com relação à imagem dos Catadores. Segundo Vainfas (2002) é importante entender os protagonistas anônimos da história, ou seja, aqueles que são personagens anônimos que de qualquer modo participam das mudanças da sociedade ou são empurrados pelas mesmas. Desse modo a historiografia e a micro história vem ao alcance a essa temática, incluindo também nossos, muitas vezes esquecidos, catadores de União da Vitória.

Além disso, todo o nosso trabalho foi bem além de nossa formação acadêmica, mas ficou um legado  para se discutir em várias correntes da historiografia. Essas produções deixam espaço para o expectador  compreender o cotidiano desses catadores que também fazem parte de uma história local. E indo além, os documentários sobre os catadores podem propor diversas discussões em várias áreas da história em sala de aula, como gênero, identidades, cultura e a história local, assim como material de pesquisa e fontes audiovisuais. Ainda a discussão sobre os trabalhos do projeto poderão ser abordadas para outras áreas como a sociologia, economia, filosofia e cinema.

Enfim, todo o desenvolvimento do trabalho no projeto "Catadores Da Margem Esquerda" nos levou para além do conhecimento técnico da criação de mídias, mas também possibilitou a compreensão da história, da realidade de vida desses indivíduos, para além da sala da aula. Em outras palavras nosso aprendizado no projeto, abriu novos horizontes do conhecimento histórico, e aproveitamos esse conhecimento e projetamos nossos trabalhos sobre a História desses catadores nas telas de cinema.

Referências Bibliográficas

ALBERTI. Verena. ‘Histórias dentro da História’. In: PINSKI, Carla Bassonazi (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
Catadores da Margem Esquerda. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.
Dagoberto. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.
Dona Zenilda. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.
ESTACHESKI, Dulceli de Lourdes Tonet; CREMA, Everton Carlos (Orgs.) Catadores da Margem Esquerda: Coleta, Sobrevivência e Identidade no Médio Iguaçu no Início do século XXI. União da Vitória: Kaygangue, 2010.
ESTAMIRA. Documentário. Rio de Janeiro: Direção Marcos Prado, 2004.
SILVA, Maria Aparecida de Moraes. A voz do passado: tecendo possíveis. Itinerários, Araraquara n°9, 1996.
VAINFAS. Ronaldo. Os Protagonistas Anônimos da História. Rio de Janeiro: Ed Campus, 2002.

ZÉ DA VIOLA. Documentário. União da Vitória: FAFIUV, 2010.


7 comentários:

  1. Conheço o trabalho realizado e tenho em meus arquivos os materiais produzidos resultante dos mesmos, como o livro e os DVD’s (Longa e curtas) e gostaria de saber se foi pensado na época se fazer após findado o projeto um levantamento de como, onde vivem os catadores retratados na época na atualidade. Caso a resposta seja negativa, não seria uma interessante proposta resgatar as histórias cinco anos depois e ver o que mudou (se mudou) Na vida destes catadores? (Aristides Leo Pardo – União da Vitória/PR - tidejor@gmail.com)

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    1. CARO TIDE. ESSE PROJETO TEVE A FINALIDADE APENAS DE REALIZAR O DOCUMENTÁRIO NO PRAZO ESTIPULADO PELA UNIVERSIDADE SEM FRONTEIRAS. MAS DEIXAMOS UM RICO MATERIAL CONTAND0 COM OS DOCUMENTÁRIOS E TAMBÉM VÁRIOS APONTAMENTOS COM OS DADOS DESSES CATADORES. COM RELAÇÃO A IDEIA DE REALIZAR UM TRABALHO PÓS DOC NÃO CHEGOU A SER PENSADO.. MAS SERIA INTERESSANTE REALIZAR UM TRABALHO DESSES PARA ANALISAR A REALIDADE DESSES INDIVÍDUOS NA ATUAL CONJUNTURA. A IDEIA E VÁLIDA PORQUE NÃO REALIZAR
      ELOIS ALEXANDRE DE PAULA

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  2. Muito legal esse projeto Elois, não sabia sobre esse projeto, mas onde foi publicado esse curtas, tem acesso público pra eles, onde podemos ter acesso a esse material??
    Deve ter sido muito bom participa desse projeto, parabéns pela publicação!!

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  3. CARA RAFAEL ESSE MATERIAL ESTÁ A DISPOSIÇÃO NO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA FAFI (ACREDITO EU). ESSES DOCUMENTÁRIOS FORAM APRESENTADOS EM MOSTRA NACIONAL DE CINEMA EM VÁRIAS CIDADES, COMO SÃO PAULO E FERNANDO DE NORONHA, EU TAMBÉM TENHO UMA COPIA DE REPENTE QUEM SABE APRESENTAR ESSE MATERIAL NAS CIDADES VIZINHAS??? BOA IDEIA

    ELOIS ALEXANDRE DE PAULA

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    1. Excelente ideia Elois, seria legal apresentar aqui em São Mateus mesmo, pode algo interessante!!!

      Ass: Rafael F. Tomaszevski

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  4. Partindo da análise do documentário que assuntos sobre gênero podem ser discutidos nas aulas de História?

    Como posso ter acesso ao documnetário?


    Ivone Gomes.

    brigadacaruaru-pe@bol.com.br

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  5. Minha cara Ivone... existe um grande leque de documentários que se pode abordar gênero em sala de aula. Por exemplo o documentário Estamira EM QUE ABORDEI NO TEXTO.Estamira e uma história de uma catadora de material reciclável e que tem um discurso um tanto muitas vezes sem nexo devido a sua esquizofrenia, ou algo parecido, mas que tem varias mensagem sobre a forma de como se a sua sobrevivência. Neste contexto pode se abordar doc com relação ao preconceito e a construção histórica de luta de gêneros...na internet pode se encontrar varios materiais sobre o assunto. Inclusive o interessante e criar doc sobre os mais diversos temas sobre as questões de gênero, material e fonte existem, e portanto são excelentes para se trabalhar em sala de aula

    ELOIS ALEXANDRE

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