CONDIÇÃO JUVENIL: ELEMENTOS PARA UMA
APROXIMAÇÃO DAS JUVENTUDES CONTEMPORÂNEAS
Joilson de Souza Toledo
Introdução
A prática de sala de aula convida as professoras e os professores a verem os estudantes não como alunos, sem luz, mas como crianças, adolescentes e jovens, que dentro dos traços de suas idades, são sujeitos de direitos e protagonistas de suas histórias de vida. Nesta perspectiva focada nos jovens, apresentamos estas figuras que povoam as salas de ensino médio a partir do conceito de condição juvenil.
Uma primeira aproximação conceitual
Groppo (2000) define
juventude como uma categoria social. "A juventude é uma concepção,
representação ou criação simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos
próprios indivíduos tidos como jovens, para significar uma série de componentes
e atitudes a ela atribuídos" (2000, p. 7-8). Segundo Foraccchi (1977, p.
302) "juventude é, ao mesmo tempo, uma fase da vida, uma força social
renovadora e um estilo de existência". De certa forma, podemos dizer que
as juventudes são uma construção social.
Ao pensar as juventudes enquanto categoria social, Santos nos convida a indagações.
Ao pensar as juventudes enquanto categoria social, Santos nos convida a indagações.
Mas que juventude é
esta que já aparece diversa nessas páginas, juventude da periferia, juventude
pobre e juventude adolescente? Desnaturalizar essas categorias, desconstruindo
nossos pressupostos, vindas das representações do mundo social (em nós
incorporadas), perguntando-nos de onde estamos falando, esmiuçando os
pré-significados adquiridos sobre tal conceito, ou pré-conceito, que terminam
por nos revelar que dentro do conjunto de significados atribuídos à juventude,
ela se torna apenas uma palavra, na medida em que a categoria se torna tão
ampla que não permite pensar as juventudes singulares (2002, p. 45).
Sobre esta categoria no
imaginário social brasileiro, Fernandes (2010, p. 61) aponta que ela "é
construída levando-se em conta diferentes construções simbólicas do termo, seja
na esfera pública ou privada". Por isso o lugar do educador deve ser
considerado ao entrarmos neste debate. Buscamos entender as juventudes a partir
do lugar de professores e educadores.
Saindo do senso comum,
é possível ver que a "juventude não é progressista nem conservadora por
natureza, porém, é uma potencialidade pronta para qualquer nova oportunidade"
(MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p. 29). Segundo Foracchi, "juventude e
história são entidades que se confundem enquanto manifestação do novo"
(1977, p. 303). Temos, nas juventudes, elementos latentes que serão acionados
segundo as trajetórias, possibilidades e resiliências. Assim, "a juventude
pertence aos recursos latentes de que toda sociedade dispõe e de cuja
mobilização depende sua vitalidade" (MANNHEIM apud SOFIATI, 2012, p.
29-30).
Segundo Groppo (2010,
p. 19)
A condição juvenil se configura mesmo a
partir de uma relação entre sociedade versus indivíduos e grupos juvenis.
Entretanto, esta relação é dialética, ou seja, fundada numa contradição entre o
movimento da integração/socialização e o movimento da autonomia/criatividade.
Dito de outro modo, a condição juvenil é dialética porque está assentada sobre
uma relação de contradição entre sociedade e juventudes. [...] Pode-se, deste
modo, interpretar que desde o início do "percurso" das juventudes na
modernidade houve possibilidades e concretas ações de protagonismo juvenil,
criação de identidades diferenciadas, resistências e subculturas.
Juventudes e suas marcas
As pesquisas de Regina
Novaes (2008) nos ajudam na aproximação da realidade juvenil, ultrapassando os
mitos e as generalizações tão presentes no olhar que os adultos têm sobre os
jovens. Juventude não é um tempo de transição, nem de preparação, nem a solução
ou a causa de todos os problemas da sociedade. Em sintonia com Novaes, Sofiati argumenta que
Há uma pluralidade de juventudes definidas
a partir de grupos sociais concretos que possuem um recorte sociocultural de
classe social, estrato, etnia, religião, gênero, região, mundo urbano e rural,
sendo que várias juventudes convivem em um mesmo tempo e espaço social,
havendo, também diferenças entre jovens que vivem numa mesma sociedade, como no
caso da juventude brasileira (2011, p. 55).
Entretanto, existem
marcos geracionais que caracterizam esta geração? Quais seriam? Ser jovem no
mesmo momento histórico é fazer uma experiência geracional comum? Existem
alguns traços comuns que caracterizam as diversas juventudes? Ser jovem no
mesmo momento histórico é fazer uma experiência geracional comum? Existem
alguns traços comuns que caracterizam as diversas juventudes?
Uma imagem construída
por Novaes (2008, p. 44-8) é a do jogo de espelhos. Falar em juventudes seria
falar de um espelho agigantador, que sinaliza as grandes marcas do século XXI.
Assim, as juventudes refletem a sociedade e mostram os sinais que estão
emergindo. A novidade da sociedade encontra sua incubadora nos jovens.
A propagação veloz de símbolos e valores -
via novas tecnologias - permite que jovens, de diferentes locais do mundo,
tenham um mesmo universo de referência. Diversidades e identidades se
manifestam em um mesmo país, entre países, regiões e continentes. Não há, hoje,
participação social que não tenha algum grau de dependência das novas
tecnologias de informação e comunicação (2008, p. 50).
Ao se discutir sobre
juventudes em geral emergem vários mitos, projeções e generalizações que nascem
de projeções otimistas e pessimistas (NOVAES, 2008, p. 42-4). As juventudes
carecem, pois, de serem consideradas e acolhidas em sua realidade para além de
idealizações e projeções. Demandam, acima de tudo, serem escutadas e incluídas
nos processos participativos como afirma Leon (2002, p. 35):
Neste cenário, persiste o clamor amordaçado
das mais diversas juventudes, movimentos, religiões e ideologias por igualdade
de oportunidades, em verdade pela primeira oportunidade, e que vem sendo
sucessivamente negada por nossos governantes aos jovens de nosso país.
Novaes (2008, p. 46-7)
sinaliza três marcas da experiência geracional atual: o medo de sobrar, o medo
de morrer precocemente e a vivência em um mundo conectado.
Algo mais sobre as três marcas
No mundo
contemporâneo, os jovens se perguntam: "como assegurar um lugar no mercado
de trabalho"? A realidade do desemprego e as inovações tecnológicas
mudaram as relações que os jovens estabelecem com o trabalho. A dificuldade de
conseguir um emprego sinaliza que ninguém tem mais lugar garantido. Isso coloca
boa parte dos jovens fora do sistema de proteção do trabalhador assalariado,
conforme Sofiati (2011, p. 39). Sobrar é uma possibilidade que se coloca para
todas as pessoas. Além disso, na sociedade neoliberal não há trabalho para
todos e nem haverá. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo aponta
que
O Brasil chegou ao terceiro milênio
carregando uma enorme dívida social. Nosso país ainda não se revelou capaz de
satisfazer as necessidades básicas de milhões de cidadãos. Alimentação, saúde,
moradia, educação, segurança e trabalho estão entre os bens existenciais
fundamentais que são sonegados ou negados a imensos contingentes de excluídos
(apud SOFIATI, 2011, p. 45).
Outro traço da
presente geração é o sentimento de desconexão em um mundo conectado. Nunca se
esteve tão perto e tão longe ao mesmo tempo. Esta geração vive algo nunca visto
antes. As novas tecnologias se apresentam como um dos elementos que configuram
esta geração: estar desconectado em alguns lugares do Brasil é como não
existir. Conforme pondera Lacerda e Gama (2014, p. 70-1) "nossa vida
mudou. Estamos inscritos em um mundo no qual a informação ocupa
centralidade". Argumentam
que "nessa esteira, podemos pensar que as práticas sociais
"online" dos (as) jovens são formas de integração a uma cultura
tecnológica que lhes permite circular em distintos espaços" (2014, p. 71).
Bem como
Pensar as novas tecnologias da informação e
da comunicação como um importante disparador para a constituição das
identidades e subjetividades juvenis representa mais que tomá-las como
produtoras de assujeitamentos. É reconhecer a possibilidade de mútua interferência,
e não meramente como resultado de um processo de identificação (2014, p. 72).
Os jovens são
apresentados como vítimas e autores da violência. Ser jovem é perigoso. A série
dos mapas da violência tem ajudado a fundamentar este debate. O Mapa da
Violência 2013 - Homicídios e Juventude no Brasil nos mostra isso (WAISELFISZ,
2013, p. 5-6). A violência tem lugar geográfico, social, econômico e étnico,
conforme Waiselfisz (2013). A violência juvenil deve ser vista dentro do
contexto de sociedade em que o jovem vive. Estamos diante de um cenário, ou de
cenários, marcados pela violência e pelo extermínio de jovens homens, negros e
das periferias e diante de um processo de criminalização das juventudes, em
especial dessa mesma juventude empobrecida, negra e moradora das periferias,
confirmado pela morte prematura de um grande número de jovens que vem crescendo
nos últimos anos:
A taxa de homicídios da população total,
que em 1996 - últimos dados desse primeiro mapa - era de 24,8 por 100 mil habitantes,
cresceu para 27,1 em 2011. A taxa de homicídios juvenis, que era de 42,4 por
100 mil jovens, foi para 53,4. A taxa total de mortes em acidentes de
transporte que em 1996 era de 22,6 por 100 mil habitantes, cresceu para 23,2. A
dos jovens, de 24,7 para 27,7. Também os suicídios passaram de 4,3 para 5,1 na
população total e entre os jovens, de 4,9 para 5,1 (WAISELFISZ, 2013, p. 6).
Trata-se de um cenário
alarmante. Temos, diante de nós, o que o Waiselfisz configura como "novos
padrões de mortalidade juvenil" (2013, p. 12). Entre os jovens a morte
prematura é algo muito próximo em vários lugares do Brasil. Não mais por
doença, mas por armas de fogo.
A taxa de homicídios a
cada 100 mil habitantes na população jovem subiu de 17,2 em 1980, para 53,4 em
2011. Esses dados ficam mais graves se considerarmos que na população em geral
a taxa, da qual falamos, oscilou de 10,2, em 1980, para 21,4, em 2011
(WAISELFISZ, 2013, p. 18). Nossas taxas de homicídios superam até os dados dos
grandes conflitos armados do mundo, segundo Waiselfisz (2013, p. 21). O cenário
lança luzes sobre a afirmação de Novaes (2008, p. 46-7), sobre o medo de morrer
precocemente como uma das marcas desta geração. Vivendo nestes contextos, os
jovens vão descobrindo que tornar-se adulto é somente uma possibilidade, não
uma certeza.
Conclusão
Um processo educativo
que deseja contribuir na formação de sujeitos da história precisa reconhecer os
jovens não só enquanto sujeitos, mas entender estes sujeitos em sua condição
juvenil. Aproximar-se das pessoas jovens é uma questão vital para educadores.
Neste ensejo, esta
comunicação pretendeu ser uma contribuição para construir aproximações. Estamos
certos de que, mais do que conceitos, a vivência de sala de aula é construída a
partir da interação de sujeitos. Desejamos que o debate aqui apenas levantado,
contribua não só no ensino da história, mas na trajetória de educandos e
educadores. Precisamos superar o mito que "juventude" é algo que não
se estuda; estudar juventude é cultivar o encanto por ela.
Referências
FERNANDES, Silvia Regina Alves. Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: Quartet, 2010.
FERNANDES, Silvia Regina Alves. Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: Quartet, 2010.
FORACCHI, Marialice M.
O estudante e a transformação da
sociedade brasileira. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.
GROPPO, Luís Antonio. Condição Juvenil e modelos contemporâneos
de análise sociológica das juventudes. Última Década, Valparaiso, n 33, p.
11-26, dez 2010. Disponível em <http://www.scielo.cl/pdf/udecada/v18n33/art02.pdf >. Acesso em 20 Abr. 2015.
____________. Juventude: Ensaios sobre Sociologia e
História das Juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000.
LACERDA, Mirian Pires Corrêa; GAMA, Silvia. Juventude e as novas tecnologias. In: RIBEIRO, José Jair et al (Orgs.). Juventudes na universidade: olhares e perspectivas. Porto Alegre: Redes Editora, 2014, p. 69-85.
LACERDA, Mirian Pires Corrêa; GAMA, Silvia. Juventude e as novas tecnologias. In: RIBEIRO, José Jair et al (Orgs.). Juventudes na universidade: olhares e perspectivas. Porto Alegre: Redes Editora, 2014, p. 69-85.
LEON, Alessandro Ponce
de. "Juventude problema" - ou descaso oficial?. In: NOVAES, Regina
R.; PORTO, Marta; HENRIQUES, Ricardo. A. Juventude,
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Especial, 2002, p. 31-6.
NOVAES, Regina.
Trajetórias Juvenis: desigualdades sociais frente aos dilemas de uma geração.
In: FERÉS, Maria José Vieira et al. Texto
complementares para formação de gestores. Brasília: ProJovem Urbano, 2008.
p. 42-52.
PORTO, Marta;
HENRIQUES, Ricardo. A. Juventude, cultura e cidadania. ISER: Rio de Janeiro;
UNESCO: Rio de Janeiro. Comunicações do
ISER, Ano 21, Edição Especial, 2002, p. 43-56.
SOFIATI, Flávio
Munhoz. Juventude Católica: o novo
discurso da teologia da libertação. São Carlos: EdUFSCar: 2012.
____________. Religião e Juventude: os novos carismáticos.
Aparecida: Ideias&letras, 2011.
WAISELFISZ, Julio
Jacobo. Mapa da Violência 2013:
homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: CEBELA, 2013. Disponível
em:
Joilson,
ResponderExcluirgostei muito do seu texto, tendo em vista que o jovem, pela sua própria estrutura, seria o personagem mais preparado [teoricamente] para compreender a história: contestador, atuante, envolvido...e todavia, infelizmente, a história vem atrás na lista de seus interesses. Antes vem os games, o namoro, o carro, etc... Você concorda que o ideal, no momento, seria permitir um certo protagonismo juvenil na definição de rumos educacionais, ou ainda é necessário aplicar modelos já definidos?
obrigado
André Bueno
Prezado André,
ExcluirConcordo com você que garantir o enteresse do jovem na sala de aula é um desafio e que o caminho para isso é um modelo de educação que tenha o jovem como protagonista. Reconhecer as pessoas jovens que povoam as sala de aula do ensino médio como sujeito e por isso não simples destinatários e sim interlocutores é um desafio para nós educadores. Construir espaços, propostas e processos em que os jovens se impliquem é nosso sonho e tarefa. Obrigado pela pergunta.
Boa tarde. A percepção sobre a juventude e a infância tem sido carregadas de senso comum e de uma relação de poder dada pela ancestralidade (algo como: eu já fui jovem então automaticamente sei como é). Assim sendo, que contribuições um conhecimento mais aprofundado das juventudes, público alvo de boa parte da educação, do ensino médio à universidade, poderia trazer para a relação ensino aprendizagem?
ResponderExcluirUma das generalizações que se constroem sobre a juventude é o mito de que ela é conectada. É sabido por estatísticas, e é citado no texto, a existência de vastas populações juvenis que não possuem o acesso aos modernos meios de comunicação, em especial, a internet. Como vc percebe a possibilidade de lidar com essa diferença em sala de aula?
Thiago Reisdorfer
Prezado Thiago, boa tarde
ExcluirSem duvida um conhecimento mais aprofundado sobre juventudes e não só dos conteudos que lecionamos traria uma mudanção significativa para relação ensino aprendizagem. Tal escolha e opção reforça a idéia dos jovens enquanto sujeitos e não simples destinatários, sujeitos de direitos e entre este direito o direito de acesso a educação.
Quanto ao mundo conectado, penso que o conceito de condição juvenil nos oferece um instrumental significativo ao nos alertar de que a experiência de ser jovem tem traços diversos em diferentes realidades sociais. Para mim a primeira pergunta a nos fazermos é quem são estes jovens que estão diante de nós? Em minha experiencias de educador com que jovens eu lido? Qual a relação que estes tem com o mundo conectado e no que isso afeta sua vida? Quais possibilidades abre e quais limitações trás? Obrigado pela pergunta
Boa noite Joilson de Souza,
ResponderExcluirConcordo plenamente com sua análise sobre a condição juvenil e o momento histórico que estamos passando onde estes jovem estão vivendo uma situação de abandono, descrença e falta de perspectiva. Soma-se a isso toda uma cultura da violência que a mídia propaga com enorme competência. Tem momentos que me sinto, não remando contra a maré, mas sim levada por um tsunami.
Como educadora e defensora da paz e do respeito ao próximo, minha grande dúvida é como podemos desenvolver nas escolas uma cultura de paz e respeito neste contexto de intensa valorização da violência e ausência de valores como respeito, gentileza e amor ao próximo?
Tem conhecimento de algum trabalho ou experiência de sucesso?
Muito obrigado por suas reflexões. Precisamos sempre nos aproximar e conhecer melhor as angústias e anseios dos nossos jovens alunos para que possamos ajudá-los a buscar um futuro melhor.
Cristina Saddi Portela
Boa noite, Cristina
ExcluirObrigado pelas questões que vocês traz. Partilho delas também. Para mim duas coisas são fundamentais a serem trabalhadas a não hierarquização das diferenças e um estilo de cooperação no lugar de competição. Se a escola for um lugar onde para se afirmar belo não for preciso dizer que o diferente é feio. Onde possamos contemplar várias belezas. Onde a uniformidade não seja o paradigma ela dará uma grande contribuição. É urgente uma cultura de cooperação, onde possamos buscar caminhos para crescer juntos. E no meio de tudo isso o protagonismo seja estimulado e acompanhado.