Ivone Gomes

A HISTÓRIA ESCOLAR NO BRASIL: TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA OU CONHECIMENTO AUTÔNOMO

Ivone Maria Dos Santos Gomes



As questões que implicam uma abordagem a cerca da História Escolar no Brasil deve fazer uma reflexão sobre os métodos e conteúdos que foram sendo aplicados ao ensino dessa disciplina em nosso país, desde a chegada dos jesuítas ate à aprovação da LDB em 1996. Após essa reflexão é que podemos analisar como a ideia de História Escolar é pensada nas escolas brasileiras a partir de duas correntes europeias: a Transposição Didática e o Conhecimento Autônomo.

Conteúdos e métodos do ensino de história no Brasil: do período colonial ao século xx

No Brasil durante o período colonial os jesuítas (partícipes no projeto de consolidação do Estado-nação Europeu) usavam os textos históricos bíblicos na tarefa de ensinar a ler e escrever, e através da leitura romântica e descritiva das paisagens. Em 1827 após o Brasil torna-se monárquico e independente a elite dominante teve acesso à "escola básica" ou de "primeiras letras" e se apropriou de conhecimentos primários, "os professores elementares ensinavam a ler utilizando textos como: a constituição do Império e História do Brasil." (BITTENCOURT, 2004, p.61).

A partir da década de 30 do século XIX a História ganham status oficial de disciplina escolar ao ser introduzida no município do Rio de Janeiro pelo renomado Colégio Pedro II referência no ensino secundário em seu currículo escolar.  O modelo educacional dessa escola seguia os moldes franceses, por isso essas disciplinas ganham espaço regulamentado nessa escola e em todas as outras instituições escolares do império e prosseguem até o período republicano.
Essas disciplinas chegam a nosso país seguindo a herança europeia.
Por esse motivo Fonseca (2009, p. 17) nos diz que:

Durante o século XIX e início do século XX, privilegia-se o ensino da História Universal. O ensino de História do Brasil era visto em conjunto com a História Universal numa posição secundária. Essa concepção curricular ficou conhecida, entre nós, como 'europocêntrica' ou 'europocentrismo'. Ou seja, a história ensinada a partir de um centro - a história da Europa.

A propósito em 1840 o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) com o apoio e incentivo do imperador D. Pedro II encarregou-se de escrever a "Historia oficial do Brasil" seguindo o mesmo modelo de conservação do patriotismo do qual falamos acima. É importante salientar que nesse momento as escolas primárias complementares não eram bem difundidas, apenas em algumas partes do império havia escolas desse nível.

Em 1888 com a abolição da escravatura a população aumento graças à parcela de imigrantes que vieram trabalhar nas indústrias localizadas nos grandes centros. A luta por garantia de direitos surge tomando uma grande proporção. Tanto o imigrante quanto os escravos libertos clama por assistência por parte do governo republicano. O acesso à educação para garantir o aumento de alfabetizados e a obtenção da cidadania política pela população.
No regime republicano a História Sagrada embora faça parte de alguns espaços escolares em outros cede espaço para a História daqueles que dedicaram sua vida pela pátria.  Em 1892 na cidade de São Paulo houve um debate na Câmara dos Deputados sobre o primeiro projeto de lei para uma reforma do ensino público que garantisse a disseminação desses ideais. O ensino de História objetivava construir uma concepção de cidadania que buscava posicionar cada sujeito na sociedade.

O espaço do Brasil Republicano era constituído da seguinte forma: os políticos cuidavam da política e todos os trabalhadores deveriam trabalhar obedecendo às normas da lei. Todos os esforços do início da República estavam concentrados em instruir pessoas sem conteúdo crítico. Apenas alguns professores nesse momento se comprometiam em ensinar aqueles ou aquelas oriundos das classes menos favorecidas.

Mesmo assim os conteúdos ensinados versavam sobre o respeito ao padrão hierarquizado da sociedade para que pudesse ser mantida a ordem e o progresso da nação. Mas foi em 1930 durante o governo provisório de Getúlio Vargas que a proposta educacional dos Estados Unidos chega ao nosso país. Essa propositura unifica as disciplinas de História e Geografia, as transformando em Estudos Sociais. Nesse mesmo ano o educador Anísio Teixeira publicou uma declaração de ensino de Estudos Sociais com base no modelo norte-americano.

Na década de 50 em consonância com o Programa de Assistência Brasileiro-Americano ao Ensino elementar (PABAEE) que se trata de um convênio estabelecido entre o governo do Brasil, o governo de Minas Gerais e o governo dos Estados Unidos com ênfase na formação de professores para as escolas Normais e Primárias foram implantados nas escolas primárias mineiras os Estudos Sociais, esse programa ainda garantiu a publicação de material didático e tradução de obras sob a influência de autores norte-americanos não só no Estado de Minas Gerais mais em outros estados brasileiros.
Durante a década de 60 os Estudos Sociais torna-se disciplina obrigatória na escola primária e optativa no ensino médio e após o golpe de 64 o ensino de Estudos Socais são alinhados à formação moral e cívica e possui inspiração norte-americana. Nos anos 70 no contexto da democratização do Brasil a luta dos professores por melhorias na condição de trabalho. Esse movimento também se propõe a discutir o ensino de História, dos conteúdos curriculares, dos livros didáticos e das metodologias de ensino.
Em 1996 aprovou-se a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) que desencadeou o processo de implementação dos PCNs e institucionalizou as avaliações do Ministério da Educação (MEC). Em decorrência disso, no ano de 1997, houve o retorno das disciplinas de História e Geografia ao currículo escolar com a elaboração e publicação dos PCN´s pelo Ministério da Educação (MEC) em todo o Brasil. Esse projeto educacional buscou colaborar com a política de globalização da economia, de desenvolvimento de novas tecnologias e consolidação da democracia.

A disciplina de história no Brasil e a dicotomia entre transposição didática e conhecimento autônomo

De acordo com Bittencourt (2005), na opinião de alguns pesquisadores franceses e ingleses, as disciplinas escolares são desinentes das ciências eruditas. Elas servem com meio de "vulgarizar" o conhecimento produzido nos grandes centros científicos. Com base nessa ideia o francês Yves Chevallard (apud Bittencourt 2005, p.36) nomeou tal feito de "transposição didática". Ele sustenta a opinião de que o conhecimento reproduzido pela escola se ordena pelo intermédio do que chama de "noosfera", conjunto de agentes sociais externos a escola - famílias, autores de livros e etc. São esses agentes que permitem o movimento contínuo a escola e garantem a adaptação  do conhecimento científico produzido pela academia. Essa forma de pensar o conhecimento de maneira hierarquizada influenciou o Ensino de História nas escolas brasileiras durante o século XIX tomando como referência o ensino dessa disciplina no Colégio Secundário Pedro II onde o conteúdo de História Universal tem maior espaço no currículo enquanto que a História do Brasil fica em segundo plano.
Fica evidenciado que o ensino da História do Brasil constitui uma espécie de "saber menor", e por esse motivo menos importante que a História Europeia.

Segundo esse ponto de vista, o lugar da construção desses dois saberes também é categorizado. Os conteúdos da História do Brasil constitui um saber secundário em quanto que os conteúdos da História Universal Europeia constituem um saber primário e essencial para que o aluno obtenha êxito. Dessa maneira o saber em torno da identidade Cultural Brasileira fica invisibilizado, enquanto destacam-se o fazer históricos dos povos europeus, construindo e solidificando o mito dos grandes heróis "descobridores e salvadores" da nação brasileira. A disciplina de História nas escolas brasileiras nesse período torna-se receptáculo de um conhecimento produzido de maneira eurocêntrica. Onde a maior parte do seu conteúdo narra os processos históricos dos países daquele continente. Os autores dessa História também são europeus, pois o saber produzido naquele espaço resguarda premissas, que lhe confere o status de um "saber cientificizado" a respeito do mundo.

Cabe à escola apenas adapta esse conhecimento, através daquilo que os teóricos da Transposição Didática chamam de métodos decorrentes de técnicas pedagógicas, transformando-se em didática e transmitir ao aluno que também é um sujeito passivo e que está apto a receber esse saber e o reproduzir. O professor é avaliado pela capacidade que tem de gerir esse processo. De acordo com os estudos de Bittencourt (2005) uma corrente que contraria esse pensamento é a crida pelo inglês Ivor Goodson e o francês André Chervel para eles a disciplina escolar é o resultado de uma teia de conhecimentos, havendo um processo complexo entre as duas formas de conhecimento, o escolar e o científico. Em primeiro lugar eles denunciam que:

A hierarquização do saber, defendida pelos estudiosos da Transposição Didática acaba por influenciar o sistema de transmissão do conhecimento para a sociedade. Para esses pesquisadores a teorização a cerca do conceito de disciplina escolar, é um debate que se vincula a utilização do conhecimento como mecanismo de legitimação de poder por algumas classes sociais (BITTENCOURT, 2005, p.38).

Para além do debate epistemológico a cerca do conceito de transposição didática existe uma debate sociopolítico. Em uma sociedade em que o conhecimento é hierarquizado, anulam-se as condições democráticas de sobrevivência, dando espaço para a desigualdade social. Equacionar um saber em detrimento de outro, estabelece uma divisão social, que desemboca em dificuldade de acesso a direitos sociais básicos por alguns cidadãos. Por esse motivo as críticas à transposição didática faz menção ao papel de sua manutenção das desigualdades sociais. Ao analisar os estudos de Chervel, Bittencourt (2005, p.38) afirma que "a disciplina escolar deve ser analisada historicamente, contextualizando o poder exercido pela escola em cada momento histórico". Ela defende a disciplina escolar como um ente epistemológico relativamente autônomo e da atenção às relações de poder no interior do ambiente escolar.  Garante que é preciso desvia o olhar das questões exteriores a escola e pensar o conhecimento que por ela é produzido como o resultante de uma cultura. As disciplinas escolares integram essa cultura que precisa ser compreendida para que se possa analisar sua relação com a cultura geral da sociedade.

Assim nas Escolas Brasileiras a disciplina de História passa a ser compreendida como um ente autônomo a partir do século XX quando em 1996 é criada a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e em 1997 surgem os PCN´S (Parâmetros Curriculares Nacionais) da disciplina de História, sendo esses não um subsídio obrigatório para a prática pedagógica do professor, mas um material para orientar as demandas pedagógicas de cada realidade escolar. Com a criação dos PCN´S de História o saber a respeito da nossa cultura, memória tem uma maior abrangência na grade curricular. Esse documento ainda propõe a organização dos conteúdos em dois eixos temáticos a História local e do Cotidiano e a História das Organizações Populacionais. Dar-se maior ênfase a temas da História do Brasil no último ano do primeiro ciclo do ensino fundamental.

Referências bibliográficas

ABUD, Kátia Maria. O ensino de história como fator de coesão nacional: os programas de 1931. Revista Brasileira de História. São Paulo: Anpuh/ Marco Zero, v. 13, n. 25/26, 1993, p.163-174.
BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e Ensinar História. Belo Horizonte: Dimensão, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura.

NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. São Paulo: EPU; Rio de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1976.

10 comentários:

  1. Angela Maria Maritz Carriel
    Por que conhecemos tão pouco acerca da escrita maia?
    Por que não é bem divulgada a historia no Brasil?

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  2. Boa noite Angela. Acredito que sobre a escrita Maia e sobre os outros aspectos culturais dessa população não serem tão estudados nas escolas e universidade surge da carência de produção científica sobre a História Indígena. Os estudos sobre as civilizações pré-colombianas ainda é uniforme, ou seja, procura-se estabelecer aspectos comuns entre esses povos passando a impressão de que os indío e os grupos
    indígenas são iguais. A divulgação da História do Brasil tem seu maior problema estalando nas questões tocantes a metodologia e as fontes de pesquisa que são utilizadas por alguns Historiadores ou até não Historiadores. Percebo que existem muitas produções círculando por ai, porém, o cuidado com esse trato nas fontes e a escolha delas continua sendo o maior desafio para quem escreve História do Brasil. Abraços!

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  3. Ola Ivone.
    Na época de 1970 falavam muito sobre politica,futuralmente como vamos estudar sobre a crise politica no Brasil?
    a historia não pode ser só contada deve ser trabalhada em sala de aula em história em quadrinho seria mais fácil e mais divertida.
    Angela M Maritz Carriel

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  4. Boa noite Angela!

    Estou escrevendo um trabalho em parceria com uma outra porfessora sobre a participação da mulher na política no município de Caruaru e esbarramos na dificuldade de encontrar fontes. Mas isso não nos desanima.Escrever sobre a política que não é uma tecitura apenas feitas por crises mas também por acordos,jogos de interesses e selenciamnetos é muito importante. Acho que trabalhos como esse ajudam para a problematização do fazer político no nosso país. Seria muito legal depois conseguir transformar,por exemplo, essa pesquisa em quadrinhos e distribuir nas escolas municipais.O problema é conseguir convencer o poder público dessa importância.

    Abraços!

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  5. Boa noite,

    Você poderia explicitar melhor essa ideia da História escolar como um conhecimento autônomo?
    Débora Araújo Fernandes

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    1. A escola tem um saber própio que advém de seus atores (família dos alunos, alunos, professores, porteiros, merendeiras e toda a comuidade escolar) esse saber é um saber autônomo. O saber escolar composto por todas a sua grade curricular e permeiado desse conhecimento autonômo. Assim sendo, a História que se estuda na escola não pode ser vista como uma transposição didática da História que se estuda na academia. O professor não pode ensinar História ou qualquer outra disciplina negando a autonomia do conhecimento escolar como já nos dizia Freire.

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  6. Olá.
    A historia da humanidade é repleta de exemplos de povo que devido as dificuldade importa pela natureza,a luta por garantir o direito surge tomando proporção.O acesso à educação e a garantir o aumento de alfabetizados e a cidadania da população,nas década de 60 os Estudo social torna-se diciplina obrigatória a todo.
    Angela M Maritz Carriel

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  7. Olá.
    A historia da humanidade é repleta de exemplos de povo que devido as dificuldade importa pela natureza,a luta por garantir o direito surge tomando proporção.O acesso à educação e a garantir o aumento de alfabetizados e a cidadania da população,nas década de 60 os Estudo social torna-se diciplina obrigatória a todo.
    Angela M Maritz Carriel

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  8. Olá Ivone
    A mitologia indigena Brasileira é narrada em 28 história,pertencente a cultura de dez povo da Amazônia.Esse mitos abordam o mistério de existir e de viver.Supervisionando,percebo que os alunos não se interessam pelo assunto História.O que você acha que poderia ser feito para mudar esse quadro?
    Angela M Maritz Carriel

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  9. Uma das propostas é a que escrevi no trabalho acima fazer uma relação entre o conteúdo e o saber do aluno, de sua família e de sua comunidade. Saber a História do grupo indígena local convidar pessoas desses grupos para adentrarem a escola e contar sua história fazer esse registro e propor aos alunos que a partir dessas falas seja elaborado um material que relate essa história.Pode ser os quadrinhos que você sugeriu. Convidar os alunos a produzir um vídeo sobre esse povo(todos possuem celular com camâra) montar uma exposição com fotos do cotidiano desse grupo. Importânte fazer uma análise critpica desse material mostrando aos alunos como vivem os povos indígenas atualmente. Descontruindo a visão do indío que vive em oca e anda sem roupas. Mostrando as diferenças entre os vários grupos indígenas para desmistificar a ideia de que os grupos indígenas e os índios são todos iguais.

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